Título: ÚLTIMO DEBATE
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 27/10/2006, O País, p. 2

Com o debate de hoje na TV Globo, chega ao fim esta longa disputa presidencial, insossa no primeiro turno, turbulenta no segundo. Terão sido, depois de hoje, quatro debates televisivos, uma vitória do eleitor, que forçou o segundo turno para que houvesse mais discussão e comparação de propostas. Geraldo Alckmin jogará suas últimas cartas na tentativa de virar o jogo. Crente na vitória, Lula deve fazer acenos conciliatórios.

O debate e a discussão sobre propostas de governo ficaram aquém do esperado, em parte porque os próprios candidatos esconderam muito suas verdadeiras agendas e intenções, optando ambos por afagar os eleitores com o discurso do benefício, deixando de lado a revelação de sacrifícios que podem ser necessários ao avanço do país. Arranharam superficialmente a questão das contas públicas e contornaram o buraco da Previdência, por exemplo. Forçado pelo adversário a negar planos de privatização, Alckmin acabou contribuindo para a demonização do tema, perdendo-se a oportunidade de uma discussão melhor. Fustigado pelo caso do dossiê, Lula também ancorou-se demais na defesa do que fez, em detrimento do que pretende fazer. Mas, mesmo assim, o segundo turno elevou o padrão da disputa em favor dos eleitores.

No debate de hoje, Alckmin deve reapresentar o perfil agressivo, abandonado desde que errou a dose no primeiro debate, o da TV Bandeirantes. Mas, mesmo evitando os excessos e arroubos que daquela vez o prejudicaram, voltará a bater forte na questão ética e nas contradições de Lula. Em relação às privatizações, dirá que Lula o acusa de planejá-las, mas privatiza nosso maior patrimônio natural, a Amazônia, através do plano de arrendamento de florestas, um tema levantado pela colunista Míriam Leitão no GLOBO. Lula ontem revisava os números sobre a redução do desmatamento em seu governo. Até aqui, a questão ambiental ficou na agenda oculta, mal foi tocada.

Tal como fez anteontem no comício do Anhangabaú, baterá forte no apoio de Delfim Netto a Lula, apontando-o como algoz dos democratas que resistiam à ditadura, entre eles Mario Covas. Mas Lula tem resposta, pois na campanha de Alckmin também há muitos políticos que serviram à ditadura, tais como os senadores ACM e Bornhausen.

E, é claro, voltará o tucano a falar do dinheiro do dossiê, dos laranjas que compraram dólares, dos escândalos já passados.

Na campanha de Lula, avalia-se que seu melhor momento no debate da TV Record foi a fala de encerramento, em que fez uma profissão de fé na união de pobres e ricos, trabalhadores, classe média e empresários, de todos os "homens e mulheres de boa vontade" para que o país encontre seu destino. Ele deve avançar nesse sentido, negando que sua candidatura divida, pregando a unidade e até a conciliação política depois da eleição. Em relação ao dossiê, prometerá que as investigações não vão parar até que tudo seja esclarecido.

Foi aconselhado a evitar ironias, não cantar vitória nem bater forte no adversário. A sabedoria política ensina que o mais forte (situação que três pesquisas ontem atribuíram a Lula) deve evitar a soberba e ser generoso para com o mais fraco. Mas nem sempre isso pode ser seguido à risca num debate, diante de cobranças e constrangimentos.

O que se perguntava muito ontem no meio político era se um debate, a tão poucas horas da eleição, pode virar o jogo. Há um entendimento geral de que, para isso acontecer, quem está na frente precisa cometer um erro crasso ou ser atingido por um fato novo de grande impacto. Mas essas são contas de candidatos. Para os eleitores, mesmo com a ladainha repetitiva que eles vêm apresentado, o debate é a última chance de comparação, a melhor forma de se encerrar uma campanha.