Título: MP VAI À JUSTIÇA PARA CONTER 13 FAVELAS NO ALTO
Autor: Luiz Ernesto Magalhães/Cláudio Motta
Fonte: O Globo, 27/10/2006, Rio, p. 21
Ação pede que prefeitura seja obrigada a demolir as casas construídas em áreas de risco nessas comunidades
A equipe de Meio Ambiente do Ministério Público entrou ontem com uma ação na Justiça pedindo que a prefeitura seja obrigada a conter o crescimento desordenado e a demolir casas construídas em áreas de risco de 13 favelas do Alto da Boa Vista. Na ação, os promotores acusam o prefeito Cesar Maia de omissão porque essas comunidades encontram-se na Área de Preservação Ambiental e de Recuperação Urbana (Aparu) do Alto da Boa Vista, que foi criada e teve a área demarcada pelo decreto municipal 11.301/92.
Na representação, os promotores pedem que sete favelas sejam integralmente removidas; os moradores, reassentados; e as áreas, reflorestadas, no prazo de um ano. As favelas que devem sair são: Vale Encantado, João Lagoa, Açude, Estrada de Furnas, Fazenda, Biquinha e Ricardinho.
Comunidades podem se unir numa só grande favela
No Vale Encantado, por exemplo, as inspeções constataram que as casas põem em risco a integridade da Mata Atlântica e encontram-se na faixa marginal de proteção de um rio. No Açude, a água que abastece a comunidade é captada irregularmente da própria sede do Parque da Tijuca. A favela da Fazenda, que encontra-se em expansão, está assentada em área de risco por ocupar a faixa marginal de proteção do Rio Cachoeira.
- Além dos danos ambientais existe o risco de essas comunidades se unirem no futuro. Poderiam formar uma nova grande favela, como a Rocinha - explicou Rosani da Cunha Gomes, que subscreveu a ação com outros três promotores.
Ainda segundo o MP, a prefeitura precisa adotar medidas para evitar o crescimento desordenado de outras seis comunidades: Morro do Banco, Tijuaçu, Agrícola, Furnas, Mata Machado e Estrada do Soberbo. Com base em informações da Superintendência de Gestão Ambiental da Cedae, os promotores citam na ação exemplos de como ocorre o crescimento desordenado. Na Mata Machado, reurbanizada pelo projeto Favela-Bairro, por exemplo, das 250 residências, cerca de cem ocupam a faixa marginal de proteção do Rio Cachoeira. O MP denuncia que os moradores, inclusive, lançam esgoto em seu leito.
Prefeito alega que cabe ao Ibama fazer o controle
O prefeito Cesar Maia alega que a responsabilidade pelo controle das comunidades não seria dele, mas do Ibama, devido à proximidade do Parque Nacional da Tijuca. Ele diz que controlaria o crescimento das comunidades se o Ibama, que divide com o município a gestão do parque, transferisse a área para a prefeitura:
- Aí, sim, seria nossa responsabilidade. Poderíamos promover o reassentamento das famílias para um local próximo, já que a área não é dominada pelos traficantes.
A promotora Rosani responde lembrando que, na representação, são reproduzidas declarações de funcionários da prefeitura sobre a existência de projetos do município para reassentamento de comunidades. Eles não saíram do papel por falta de verbas. Rosani lembra que o decreto que criou a Aparu determinou que caberia à Secretaria de Meio Ambiente garantir a preservação.
Já o superintendente do Ibama no Rio, Rogério Rocco, contesta o prefeito. Ele diz que os fiscais do órgão são responsáveis pelo que se passa no interior do parque, localizado em terras federais. E lembra que a Constituição determina que cabe aos municípios a fiscalização do uso do solo:
- Em parques nacionais, as terras vizinhas, localizadas num raio de dez quilômetros, são consideradas zonas de amortização para garantir a preservação ambiental. Se o Ibama for fiscalizar o que não é atribuição dele, para quê existe a prefeitura?
No processo, o MP pede ainda a condenação de Cesar por improbidade administrativa porque teria sido omisso por não conter o crescimento das favelas. E a suspensão dos direitos políticos do prefeito por período de três a seis anos.
Moradores dizem que respeitam os eco-limites
Os moradores das comunidades citadas negam que morem em áreas de risco e dizem que respeitam os eco-limites. Entre eles, está Maria das Graças Silva, de 53 anos, que vive há 30 deles no Açude. Ela reconhece que colabora para o crescimento da comunidade: está construindo um quarto para o seu filho morar:
- A comunidade tem mais de 80 anos e todo mundo respeita o meio ambiente. Não deixamos que haja invasões. Só falam das favelas, mas há mansões próximas e derrubaram árvores para construí-las.
Armando Jorge de Oliveira, presidente da Associação de Moradores de Furnas, admite que há casas em áreas de risco. Mas diz que hoje a comunidade respeita a legislação.
- Quem estiver em área de risco, tudo bem, pode ser deslocado, mas para uma distância de até 500 metros, como determina a lei - disse.
Com uma vista deslumbrante para a Barra e o Recreio, Fábio Ferreira, morador do Vale Encantado, afirma que os moradores da comunidade têm documentos comprovando a posse do terreno:
- Temos todos os documentos para comprovar.
Já o presidente da Associação de Moradores da Mata Machado, Josias Caldas, diz que a entidade denuncia quando há tentativas de invasão.
Projeto prevê ocupação de encostas
O avanço das favelas do Alto levou a prefeitura a apresentar, em maio de 2003, um projeto à Câmara dos Vereadores para tentar conter o crescimento desordenado. A idéia era permitir a construção de condomínios de classe média nas encostas, com edifícios de até três pavimentos. Em 2005, o projeto chegou a ser votado em primeira discussão. Recebeu emendas e saiu de pauta, e não há previsão de quando será a votação final. As regras atuais para a construção no bairro são de 1976 e permitem erguer uma casa a cada lote de dez mil metros quadrados.
Um problema crônico por toda a cidade
O crescimento desordenado das favelas vem sendo mostrado numa série de reportagens que O GLOBO publica há mais de um ano. Um dos símbolos desse crescimento desordenado é o "Empire State da Rocinha", como é conhecido um prédio irregular com 11 andares. A favelização avança às margens da Linha Vermelha, da Avenida Brasil e da Linha Amarela, onde até lojas se instalam em barracos e "puxadinhos". No Leme, agentes do projeto de mutirão de reflorestamento da prefeitura no Morro da Babilônia foram flagrados desmatando uma área protegida.