Título: Infância perdida no trabalho
Autor: Cássia Almeida e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 27/10/2006, Economia, p. 31

Serviço doméstico emprega 405 mil crianças. Renda tem peso no orçamento familiar

Aos 15 anos, a pernambucana X. só pensa em concluir os estudos e poder abandonar o trabalho de doméstica, que exerce desde os 13 e lhe rende R$80 por mês. Essa realidade, mais presente no Nordeste, era a de 405 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, no ano passado, de acordo com estudo inédito feito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério do Trabalho, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2005), do IBGE, de setembro.

- Melhor estudar para conseguir trabalhar noutra coisa - diz a menina, que trabalha meio expediente cuidando de uma casa de três quartos, dois terraços, três salas e três banheiros em Recife e ainda cursa a 5ª série do Ensino Fundamental.

Segundo o coordenador do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT, Pedro Américo Furtado de Oliveira, aumentou esse tipo de atividade em 2005. Em 2004, eram 404 mil crianças e jovens ocupados.

- O trabalho infantil aumentou como um todo - disse, acrescentando que as pequenas fábricas de alimentos funcionam em casas e, como essa atividade cresceu, acaba tendo reflexos nos indicadores de trabalho doméstico. - É preciso muita conscientização. É trabalho arriscado, com movimentos repetitivos e contato com produtos químicos.

Antes da escola, uma rotina pesada

Na rotina da adolescente, o trabalho começa às seis da manhã e só termina ao meio-dia, quando X. parte para outra jornada, dessa vez na escola. A rotina é sempre a mesma: varrer, espanar, passar aspirador nos tapetes, limpar os móveis com flanela. Uma rotina, que segundo ela, nunca termina:

- O ruim é que eu nunca consigo terminar o serviço. Sempre sobra um restinho para o dia seguinte. E ainda tenho que ouvir as reclamações. Mas já consegui outro serviço melhor.

O economista Claudio Dedecca, da Unicamp, lembra que os números ainda podem ser maiores, já que existe subnotificação desses casos.

- Principalmente no Nordeste, é natural a menina ir morar em outra casa, ganhando nada ou muito pouco para trabalhar, com a desculpa de que haverá facilidade para estudar. O caminho é o ensino em tempo integral - alerta o economista.

Os cruzamentos de dados feitos pelo Observatório do Mercado de Trabalho, órgão de assessoria técnica do Ministério do Trabalho e Emprego, constatou que o rendimento mensal desse trabalhador infantil e juvenil não é desprezível. Em 2005, a população trabalhadora de 10 a 15 anos ganhava, em média, R$117,73 na atividade agrícola e R$123,90 longe do campo.

- São valores nada desprezíveis, principalmente para uma família em que a mãe, sozinha, é responsável pelo domicílio. Quando se chega aos 16 e 17 anos, o salário sobe para R$238,29. É uma contribuição muito importante para a renda das famílias - disse a economista Paula Montagner, coordenadora do Observatório.

Para ela, diante desse rendimento, ficam cada vez mais importantes os programas de transferência de renda do governo:

- Com exceção da renda da população de 5 a 9 anos, que vem caindo, nas outras faixas etárias verifica-se aumento nominal (incluindo a inflação) na comparação de 2002 para cá.

Para Claudio Dedecca, da Unicamp, principalmente quando se fala do trabalho juvenil, a atratividade do mercado de trabalho é muito grande. O economista acredita que os programas de transferência existentes hoje precisam buscar uma vinculação maior com a escola.

- É preciso quebrar a necessidade da renda. Somente a fiscalização não vai funcionar. É fundamental estender o Bolsa-Família para o Ensino Médio e tornar o acompanhamento maior.

Crescimento fora da agricultura

Pelo estudo do Observatório do Trabalho, não foi somente na atividade agrícola que houve aumento do trabalho infantil. Na indústria, captou-se o mesmo fenômeno. Segundo Paula, do Observatório, principalmente na faixa de 10 a 17 anos:

- Verificamos que a indústria de alimentos, aquela de fundo de quintal, de doces, compotas e outras está empregando essas crianças também.

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