Título: A MULTINACIONAL VALE DO RIO DOCE
Autor: CARLOS GERALDO LANGONI
Fonte: O Globo, 28/10/2006, Opinião, p. 7

Acompra do controle da Inco ¿ empresa canadense, segunda maior produtora de níquel do mundo ¿ pela Companhia Vale do Rio Doce tem várias e importantes dimensões.

É a maior transação já feita por uma empresa latino-americana nos últimos anos. A operação final poderá chegar aos US$18 bilhões.

O fato de ter sido uma aquisição totalmente alavancada é a evidência objetiva da profunda mudança estrutural observada no acesso ao mercado financeiro internacional por empresas brasileiras de 1ª linha, contrapartida do bem-sucedido ajuste externo, em nível macro.

Confirmando esse cenário favorável, a oferta de créditos com baixos spreads disponíveis para a Vale nesse investimento chegou a cerca de US$34 bilhões.

A operação que transformou a Vale na segunda maior mineradora do mundo é conseqüência direta do processo de privatização, que impôs novos padrões de gestão, foco estratégico e ganhos expressivos de produtividade. Ampliou, também de forma significativa, o poder de barganha nas negociações de preço, permitindo a internalização dos benefícios associados ao boom das commodities.

A combinação de todos esses fatores positivos viabilizou expressiva geração de caixa, salto na rentabilidade e baixíssimo nível de endividamento. A conquista do grau de investimento, antes mesmo do Brasil como país, é a síntese dessa profunda mudança. A redução no custo de capital abriu o caminho para a aceleração nos investimentos e a safra de aquisições.

A estratégia adotada é a mesma de outras grandes empresas que procuram maximizar as oportunidades em um mundo globalizado. O objetivo é ampliar escala, diversificar seu portfolio de produtos, minimizar riscos e acessar mercados de forma mais eficiente ¿ muitas vezes superando barreiras protecionistas.

Estamos vivendo uma saudável onda de novas multinacionais, cuja conseqüência é o crescimento sustentado dos investimentos brasileiros no exterior que, este ano, deverão superar a marca de US$10 bilhões (US$7,8 bilhões até setembro).

No caso específico da Vale, a alta das ações e a manutenção do status de grau de investimento (mesmo com um pequeno rebaixamento em conseqüência do endividamento) confirmam que o mercado apóia a estratégia.

O objetivo é reduzir a concentração da produção no Brasil de 98% para cerca de 60%. Aumentar também a diversificação das receitas, hoje excessivamente dependentes do minério de ferro (74%). O crescimento do endividamento é transitório. A estrutura da dívida deverá ser alongada e seu montante reduzido através da venda de ativos não-estratégicos e pelo próprio crescimento adicional na geração de caixa.

Tudo isso sem alterar os planos de expansão de capacidade produtiva já em curso, necessários para atender à forte demanda mundial.

Em resumo, a globalização da Vale é mais uma evidência clara do dualismo da economia brasileira: um setor privado cada vez mais competitivo e dinâmico que se projeta para o exterior, convivendo com um Estado intervencionista, burocrático e, na maioria das vezes, ineficiente.

É fácil imaginar a mudança de patamar de desenvolvimento quando a modernização finalmente chegar também às instituições públicas em todos os seus níveis.

CARLOS GERALDO LANGONI é ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV. E-mail: carlos.langoni@projetaconsultoria.com.br.