Título: GUERRA SUJA NA CAMPANHA
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Fonte: O Globo, 28/10/2006, O Mundo, p. 50

Republicanos e democratas elevam tom e baixam nível antes de eleições nos EUA

WASHINGTON

Com o controle do Congresso e do Senado em jogo nas eleições de meio de mandato ¿ o que pode mudar a estrutura do poder nos EUA ¿ os americanos assistem a uma campanha com tons acima da média e (baixos) níveis nunca vistos. Numa verdadeira guerra suja, os meios de comunicação exibem, antes da votação, no próximo dia 7, propagandas como a do candidato republicano Bob Corker, que disputa uma vaga no Senado pelo estado do Tennessee com o democrata Harold Ford. Na TV, acusações de que Ford foi a uma festa promovida pela revista Playboy, em 2005. No fim, uma mulher loura, em primeiro plano, revira os olhos e sussurra: ¿Harold, me liga¿.

Em vários estados, os democratas recorreram ao astro Michael J. Fox, vítima do mal de Parkinson, que pedia voto para candidatos do partido, alegando que o presidente Bush e os republicanos não querem investir na pesquisa com células-tronco, decidindo, assim, ¿quem deve viver e quem deve morrer¿. O ator da série ¿De Volta para o Futuro¿ apareceu nos anúncios tremendo muito, um sintoma da doença, o que levou Rush Limbaugh, conhecido apresentador de rádio e representante da direita mais conservadora americana, a acusar Fox de não ter tomado sua medicação para controlar a doença antes de gravar o anúncio. ¿Se não tivesse tomado o remédio, não conseguiria falar¿, disse o ator. Limbaugh teve que pedir desculpas:

¿ Pessoas que vêem Michael diariamente dizem que sua doença está avançada e ele treme sempre desse jeito. Mas não peço desculpas aos democratas, que exploraram a doença.

Ataque republicano é bem maior

Em Nova York, republicanos acusam o candidato a deputado democrata Michael Arcuri, que é procurador distrital, a usar dinheiro do contribuinte para fazer sexo pelo telefone. Mas, na verdade, um de seus auxiliares telefonou, do escritório da procuradoria, para um tribunal local cujo número de telefone era quase idêntico ao de uma firma de venda de sexo pelo telefone, a US$1,25 o minuto. A lista de acusações e denúncias vai muito além, abrangendo praticamente todos os estados. Se campanhas negativas contra opositores são uma tradição na política americana, segundo analistas, a atual tem uma característica mais excêntrica, com alegações freqüentes de falência moral e perversão sexual.

¿ Quanto mais negativo for o anúncio, mais mídia gratuita ele gera. Então, há um incentivo de se apelar para o extremo ¿ analisa Shanto Iyengar, especialista em marketing político da Universidade de Stanford, reconhecendo que a propaganda peca pela falta de acurácia.

A maior parte dos ataques vem do Partido Republicano, justamente o que tem mais a perder por deter maioria no Senado e na Câmara. Mais de 90% de sua verba para propaganda são destinados a anúncios depreciativos contra os democratas. O comercial contra Harold Ford, que é negro, foi retirado do ar porque descobriu-se que a mulher que insinuou ter passado a noite com ele era uma atriz. Em seu lugar, entrou um anúncio acusando-o de querer ¿distribuir pílulas do dia seguinte a crianças¿.

Apesar de alguns anúncios democratas também negativos, a maioria da campanha é focalizada na política e no desempenho dos republicanos: guerra no Iraque, acusações contra o ex-deputado Mark Foley ¿ que usou os computadores do Congresso para trocar mensagens com rapazes menores de idades ¿ e contra o ex-lobista Jack Abramoff, condenado por fraude, corrupção e suborno.

Os republicanos tentam rebater as críticas sobre o Iraque passando a mensagem de que os democratas são ¿moles com o terrorismo¿, estratégia que funcionou nas eleições de 2002 e 2004. Em um dos anúncios da TV, apenas imagens de Osama bin Laden e seus aliados, num campo da al-Qaeda e o barulho de uma bomba prestes a ser detonada. No fim, o alerta: ¿Esses são os riscos. Vote no dia 7¿.

Em entrevista ao ¿Washington Post¿, John G.Geer, professor da Universidade de Vanderbilt, reproduziu um diálogo que ilustra bem a peculiaridade desta campanha. Depois de dizer a um colega do marketing republicano que o anúncio do tic-tac da bomba foi ¿um sinal de desespero¿, ele ouviu do amigo: ¿Mas, John, estamos desesperados. O eleitorado está polarizado, e nenhum partido tem muito para onde correr.¿