Título: FATOS SIGNIFICATIVOS
Autor: Marco Aurélio de Mello
Fonte: O Globo, 29/10/2006, Opinião, p. 7

Encerrada a votação, conhecido o vencedor, submergirá, providencialmente, a eminência parda de todo o pleito ¿ para mim, uma das protagonistas de maior relevância ¿, a urna eletrônica, cujos feitos serão reconhecidos momentaneamente por uns poucos. E é claro que assim deve ser, porquanto simples ferramenta. Não obstante, não fosse ela, talvez aquela longa contagem de votos, sob protestos vários e impugnação de todas as partes, fizesse arrefecer o vigor cívico que mobilizou, nesta eleição, mais de cem milhões de cidadãos brasileiros, ainda que algo aturdidos ante a saraivada de denúncias de escândalos a envolver a classe política.

Na linguagem mais informal de hoje, diria que a votação informatizada ¿turbinou¿ de modo admirável o processo democrático pátrio. Para comprovar que não há exagero nessa afirmação, basta considerar recente levantamento feito pelo Tribunal Superior Eleitoral, dando conta do número recorde de eleitores, com destaque para os três milhões de jovens com idade entre 16 e 18 anos que espontaneamente se habilitaram para votar, num acréscimo de 45% em relação ao sufrágio de 2002 ¿ proporcionalmente, o maior crescimento entre todas as faixas.

Esse realmente é um dado de importância ímpar. Na contramão do falado desinteresse da população no tocante à desacreditada seara política, a juventude demonstra entusiasmo em influir nos destinos da nação. Tal engajamento no processo político eleitoral adquire especial significado diante da constatação revelada em pesquisa patrocinada pelo Unicef, segundo a qual 65% dos jovens entre 15 e 17 anos de 11 estados do semi-árido ¿ Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe ¿ acham a política um assunto de extrema importância. Mais: 70% deles acreditam na possibilidade de mudança e 73% afirmaram que votariam mesmo que o voto deixasse de ser obrigatório. São ou não são alvissareiras essas informações, sobretudo levando em conta o fato de que a maior parte dos entrevistados ¿ 75% ¿ pertence a famílias com renda menor que meio salário mínimo por pessoa?

Esse pequenino instrumento ¿ Sua Excelência, a urna eletrônica ¿ fez toda a diferença, sim. Há uma década, seria inimaginável conhecer o resultado de um sufrágio dessas proporções no mesmo dia, cerca de seis horas depois do término da votação. A efetiva dimensão dessa conquista é facilmente apreendida ao ser confrontada com as notícias vindas de países que recentemente passaram por situações eleitorais embaraçosas, como o México e o Equador, enredados por acusações de fraude e conflagrações daí advindas. Em relação ao nosso poderoso irmão do Norte, os Estados Unidos da América, de acordo com o jornal ¿Financial Times¿, pairam temores de que aconteça alguma confusão nas próximas eleições legislativas, resultante da perigosa combinação de mudança de regras, novas tecnologias de votação e incompatibilidade de procedimentos.

Nestas plagas, tantos os percalços deixados para trás, é hora de avançar, aproveitando a mobilização do eleitorado brasileiro, de modo a aperfeiçoar o sistema político vigente, quem sabe completando a reforma político-partidária, cujo primeiro passo ¿ a implantação da cláusula de barreira ¿ já está em debate. Tarda, aliás, a discussão sobre o instituto da fidelidade partidária e o financiamento público das campanhas, entre outros temas.

Da conscientização cidadã demonstrada pelos brasileiros esperam-se resultados promissores, como a aproximação da sociedade com os representantes por ela escolhidos e as indispensáveis cobranças. Não há mais espaço para o alheamento de outrora, muito menos para o nefasto sentimento de impotência ou indiferença. Parece que finalmente ¿ graças! ¿ aprendemos que somos os únicos responsáveis pela democracia que temos, pelo país que desejamos.

MARCO AURÉLIO DE MELLO é presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo.