Título: PETISTAS DE OPINIÃO: REJEIÇÃO NAS URNAS
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 29/10/2006, O País, p. 14

Derrotados criticam loteamento da máquina partidária entre tendências

SÃO PAULO. Enquanto a maior parte dos petistas diretamente envolvidos em irregularidades se elegeu para a Câmara dos Deputados, outro grupo, o dos chamados deputados de opinião, que atravessaram incólumes a profusão de escândalos, não conseguiu renovar o mandato. A direção do PT não tem explicação para o fenômeno, mas os derrotados citam dois motivos: o loteamento da máquina partidária entre as tendências internas, que deixou desamparados os candidatos independentes, e a repercussão negativa dos escândalos entre o eleitorado com maior acesso à informação e que tradicionalmente vota em parlamentares de opinião.

¿ O PT inteiro paga o preço do delírio da elite do PT. As pedras atiradas contra o PT me acertaram ¿ afirma o deputado Paulo Delgado (PT-MG), que não se reelegeu.

Do primeiro grupo fazem parte nomes como José Genoino (SP), Antonio Palocci (SP), José Mentor (SP), João Paulo Cunha (SP) e Paulo Rocha (PA). Do segundo, Delgado, Antonio Carlos Biscaia (RJ), Sigmaringa Seixas (DF) e Luiz Eduardo Greenhalgh (SP). Outros parlamentares de opinião como José Eduardo Martins Cardozo e o senador Eduardo Suplicy tiveram menos votos do que em eleições anteriores.

¿Estamos pagando o preço pelos erros dos outros¿

Cardozo caiu de 300 mil votos em 2002 para 124 mil.

¿ De certa forma, estamos pagando o preço pelos erros dos outros ¿ disse ele.

Um mapeamento dos votos de Cardozo explica a tese. Em 2002 ele teve 220 mil votos ¿de opinião¿ na capital paulista (73%) e 80 mil no interior (27%), onde predomina a máquina partidária formada por vereadores, prefeitos e líderes comunitários. Em 2006, a votação de Cardozo na capital caiu para 60 mil votos e no interior se manteve estável.

Greenhalgh, que teve 147 mil votos em 2002 e chegou a disputar a presidência da Câmara no começo do ano, teve apenas 67 mil em 2006.

¿ Perdi votos na classe média, entre profissionais liberais e a juventude. Isso é reflexo das sucessivas crises em que pessoas do PT se envolveram. No primeiro turno a classe média de São Paulo votou contra o PT. Cada vez menos os candidatos independentes têm condição de se eleger dentro do PT ¿ disse ele.

Paulo Delgado, que por duas décadas representou o lado intelectual do PT na Câmara e teve cargos importantes na direção do partido, atribui a derrota à lendária autofagia entre as correntes internas:

¿ Nunca tive tendência. Nesta eleição as tendências se organizaram para eleger seus próprios quadros e pressionaram o partido. É como colocar dois escorpiões numa garrafa. A capacidade de um infligir danos ao outro é muito grande.

Com a restrição da propaganda eleitoral, os candidatos dependeram mais do que nunca das máquinas partidárias. Isso explica, em parte, o fato de deputados de opinião de outros partidos e posições ideológicas terem fracassado como Delfim Netto (PMDB-SP), João Herrmann (PSB-SP) e Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP).

¿Deputados maiores que diretórios estaduais¿

Neste ano, sem faixas e outdoors, as candidaturas proporcionais dependeram dos apoios de líderes comunitários ou corporativos, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e líderes políticos regionais capazes de transferir votos aos candidatos por eles apoiados. No PT, a disputa pelos apoios passou pela intermediação das tendências internas.

¿ Essa intermediação, essa instrumentalização do desejo do eleitor é a grande novidade da eleição. Foi uma devassidão. Hoje existem gabinetes parlamentares que são mais fortes do que a estrutura partidária e deputados maiores que diretórios estaduais ¿ disse Delgado.

O deputado aponta uma terceira pista para o fracasso:

¿ O PT pragmático suplantou o PT doutrinário. O partido deixou de ter um discurso geral. Abandonou a intelectualidade, a imprensa e a ética. Enfim, o PT perdeu o charme. Se estivessem vivas, pessoas como Henfil e Carlito Maia, que deram charme ao PT, teriam críticas a este partido mau humorado, que não aceita críticas ¿ disse Delgado.

Ele considera ter sido vítima de suas próprias posições tanto durante os escândalos quanto no processo eleitoral:

¿ Sempre fui insubmisso. Não subi no palanque do Newton (Cardoso), não subi no palanque do Jader (Barbalho) nem no do Quércia.

O secretário-geral do PT de São Paulo, Luiz Truco, admitiu que o partido não se debruçou sobre os motivos do fenômeno, o que deverá fazer após a eleição, mas nega que a máquina partidária tenha influenciado.

¿ Governamos Botucatu (SP) há seis anos. O candidato apoiado pelo prefeito foi Ricardo Berzoini, que teve apenas 220 votos na cidade. Que máquina é essa? A verdade é que todo mundo teve poucos votos. Precisamos fazer uma avaliação para entendermos o que aconteceu ¿ disse Truco. (Ricardo Galhardo)