Título: NORDESTE VÊ O OCASO DO CORONELISMO
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 29/10/2006, O País, p. 16

Com a força eleitoral de Lula, uma nova geração de políticos derrota nas urnas antigos caciques da região

BRASÍLIA. Antes mesmo do término do segundo turno, que ocorre hoje, a eleição de 2006 já era apontada por cientistas políticos e historiadores como o fim de um ciclo de quatro décadas de coronelismo no Nordeste. A eleição de uma nova geração de políticos na região impôs derrotas, em vários estados, a antigos caciques nordestinos. A força eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região é apontada como um dos principais fatores para essa mudança de comando político em estados que eram comandados por tradicionais oligarquias políticas.

Entre os principais exemplos dessa mudança estão os estados da Bahia e de Sergipe, onde os petistas Jaques Wagner e Marcelo Déda chegaram aos governos locais no primeiro turno derrotando tradicionais políticos do PFL. Wagner venceu o grupo político comandado pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). Déda derrotou o pefelista João Alves, presente na política sergipana desde 1982.

Em Pernambuco, as pesquisas indicam que o PFL deve ter hoje a terceira derrota expressiva na região, onde o socialista Eduardo Campos, neto do ex-governador Miguel Arraes, lidera a disputa contra o governador Mendonça Filho (PFL-PE), afilhado político do ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB). Com a possível derrota de Mendoncinha, como é conhecido, perdem força também pefelistas tradicionais do estado como os senadores Marco Maciel e José Jorge.

No Ceará, depois de 20 anos no poder, o senador Tasso Jereissati (PSDB) perdeu o comando político do estado para Ciro Gomes, deputado eleito pelo PSB. Antigo aliado de Tasso, Ciro transformou-se no principal cabo eleitoral do irmão, Cid Gomes, na disputa pelo governo estadual . Embora já conhecido nacionalmente ressurge com força de importante líder regional.

¿ Eu sou o vovô dessa mudança ¿ brinca Jaques Wagner, um dos mais velhos da turma, para depois completar: ¿ Houve um esgotamento da política antiga do carro-pipa, que prevaleceu no Nordeste. O governo Lula melhorou as condições sociais dos nordestinos e quem pensa semelhante ao presidente acabou sendo ajudado nesta eleição.

Em 86, o começo das mudanças

Para a historiadora Socorro Ferraz, professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a eleição deste ano foi um marco para o Nordeste, pois encerrou uma prática política dos coronéis, que tinham o controle da região desde o golpe de 1964. Ela aponta que foi nas eleições estaduais de 1986, com a vitória do PMDB em quase todo o Brasil motivada pelo Plano Cruzado, que esse ciclo de mudanças no Nordeste começou a ser esboçado.

¿ Só nestas eleições este ciclo iniciado em 1964 foi esgotado. O PFL perdeu no Nordeste, que era o seu grande celeiro. A mudança foi tão significativa que em alguns estados a direita mais conservadora não conseguiu lançar candidatos competitivos. Este pleito foi marcado por uma renovação no Nordeste ¿ explica ela.

O petista Marcelo Déda lembra que, em Sergipe, desde a eleição de Seixas Dória, em 1962, o estado não era governado por um grupo político de centro-esquerda. Dória foi preso em 1964 e ficou na mesma cela que Miguel Arraes, na ilha de Fernando de Noronha.

¿ A posição de Lula na Presidência da República deu um imenso reforço para essa mudança no Nordeste, porque sua atitude em relação à região é diferente de governos passados que enxergavam isso aqui como um consórcio das oligarquias. Lula criou a possibilidade de uma referência política nacional com reflexos nos estados ¿ explica Déda.

O cientista político Assis Brandão, professor de teoria política da Pós-Graduação da UFPE, ressalta que, diferentemente do gaúcho, que tem uma cultura mais politizada e altiva, a população nordestina é submissa à força do governo federal. Por isso, na região sempre foi comum a política clientelista, de troca imediata:

¿ Os programas do governo Lula são assistencialistas, mas não deixa de ser um avanço para a democracia, pois já deixou de ser uma prática do coronelismo, onde começa a deixar de existir a interferência de líderes locais como prefeitos e vereadores e quebra um pouco o toma lá, dá cá pequeno.

Para Inácio Arruda (PCdoB-CE), primeiro senador eleito por uma legenda comunista depois de Carlos Prestes em 1946, a influência de Lula é reflexo também de programas como o Pronaf, a ferrovia Transnordestina e a refinaria de Pernambuco:

¿ O advento Lula veio para o Nordeste como uma ventania. Os programas desenvolvidos na região provocaram uma revolução silenciosa. Foi um impacto que só agora é possível dimensionar com a mudança de comando político em quase todos os estados ¿ afirmou Inácio Arruda.