Título: ELEIÇÃO EM PINDA TEM GOSTO DE CHUCHU
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 29/10/2006, O País, p. 23

Apesar da fama de honesto, Alckmin teve menos votos em sua cidade que José Serra

PINDAMONHANGABA (SP). O coração pindamonhangabense bateu mais forte e o vaqueiro Sebastião Apolinário, oito filhos, votou no vizinho Geraldinho para presidente da República no primeiro turno, apesar do ressentimento com o político da terra e da desaprovação por ele ter se tornado agressivo nos debates da televisão. Os moradores de Pindamonhangaba, onde o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, nasceu, cresceu e entrou na política como o vereador mais bem votado de todos os tempos, aos 19 anos, são unânimes sobre a honestidade do tucano. Mas também guardam mágoa por ele não ter atendido a reivindicações da cidade, como a de ter um shopping center, a exemplo das vizinhas Taubaté e Guaratinguetá.

¿ No tocante à honestidade, ninguém tem nada contra. Mas por Pinda ele pouco fez ¿ reclama o comerciante Reinaldo Ribeiro.

Arrendatário de terras na localidade de Colméia, onde Alckmin tem um sítio, Apolinário é um dos que garantiram ao tucano 65% dos votos válidos (48,6 mil) de Pinda ¿ diminutivo do nome da cidade meio rural meio industrial do Vale do Paraíba, localizada aos pés da Serra da Mantiqueira, a cerca de três horas do Rio de Janeiro. Mas a vitória sobre Luiz Inácio Lula da Silva, que teve 29% dos votos válidos do local (21,4 mil), não foi tão expressiva quanto a de José Serra, recém-eleito governador de São Paulo, com 69% (em 50,5 mil) em Pinda.

¿ Votei no Geraldinho, mas só teria orgulho se ele fizesse mais pela terra dele ¿ afirma o vaqueiro.

Para Raul Rabello Filho, o Zinho, dono da Casa Rabelo, antigo estabelecimento comercial da cidade e ponto de encontro dos políticos, a explicação para o descontentamento está no excesso de rigor de Alckmin, preocupado em não parecer privilegiar sua cidade.

¿ Ele é muito reto. Quando era vice do (governador de São Paulo, Mário) Covas, esperávamos que trouxesse a LG para cá, mas a fábrica foi para Taubaté ¿ explica Zinho.

Paulo de Andrade, topógrafo, urbanista, contador e advogado, acha que foi descaso mesmo. Responsável pela filiação de Alckmin no PMDB, em 1972, quando o acadêmico de medicina entrou para a política, Andrade hoje é seu inimigo político.

¿ O Geraldinho quis dar uma de puritano. Foi um erro político abandonar a cidade ¿ analisa Andrade, expulso do PSDB por denunciar irregularidades na gestão do ex-prefeito do mesmo partido, Vito Lerário Ardito, que também disputa a liderança na cidade com Alckmin. Andrade foi candidato a prefeito cinco vezes e, numa delas, perdeu para Alckmin na última urna, por 67 votos.

Desavenças entre Alckmin e Ardito também estariam entre as causas de ex-governador de São Paulo não ter feito mais pela cidade onde a maioria de sua família ainda mora. Com tanta picuinha local, apesar de o atual prefeito João Ribeiro (PPS) e todos os 11 vereadores apoiarem o candidato do PSDB, a eleição correu morna em Pinda, que pareceu corresponder ao apelido dado a Alckmin nesta eleição, de picolé de chuchu. Quase não se viu propaganda política nas casas ou nos carros.

Uma exceção foi vista na última quarta-feira, quando o prefeito, vereadores e parentes de Alckmin se reuniram para ir ao último comício do candidato no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Tom Ribeiro, irmão de Lu Alckmin, mulher do candidato, defendeu o cunhado:

¿ Quando prefeito, Geraldo revolucionou a área de saúde. Fez tanto pela cidade que continuou galgando degraus na política ¿ disse, antes de embarcar em um dos dois ônibus que levaram também a irmã de Alckmin, Maria Aparecida Penteado Alckmin Morgado, a Mimi, e a babá dele, Thereza Faria Santos, a Inhá.

A animação, porém, parou ali.

¿ Mais xoxa impossível ¿ comenta Maria Cristina Paula sobre a eleição deste ano.

Ela mora com as duas filhas, o companheiro de uma delas e o neto em uma casa de dois quartos, tijolos aparentes, no bairro mais pobre de Pinda, Castolira. Todos vivem dos R$95 que ela, eleitora de Lula, recebe do Bolsa Família. Já a filha Ana Carolina vota em Alckmin, porque ele é conterrâneo, mas reclama:

¿ O carro do Lula passou aqui esta semana. Do Geraldo não veio ninguém ¿ disse Ana, que lamenta a violência no bairro onde o tráfico de drogas faz muitas vítimas. Uma delas foi o filho da vizinha Maria Aparecida Vicente. Depois da morte do filho que cuidava dela, Aparecida passou a apanhar dos outros dois filhos, um deles preso por roubo. A nora e um dos netos dividem com ela, eleitora de Lula, a casa sem emboço e a renda do Bolsa Família, de R$65.

Na maior comunidade Hare Krishna do Brasil, a maioria dos discípulos de Krishna vai anular o voto porque teme absorver o karma coletivo ¿ penalidade, em outra vida, pelos erros cometidos ¿ do candidato em quem votarem. Maria José Alves Batista, a Murti, é exceção. Vai votar em Alckmin ¿ católico fervoroso ¿ por ele ser de Pinda, ¿lugar onde os hare krishnas são tratados como gente¿ e porque se identifica com ele. Ela estuda Ayurveda, a milenar medicina indiana, e ele é médico. Seja lá qual for o vencedor, Murti não acompanhará seu desempenho. Mudará para a Índia no próximo dia 6. Vai para Bengala, onde os quatro filhos vão estudar no único campus da universidade de Cambridge fora da Inglaterra.