Título: EM NEGÓCIOS, QUEM RI POR ÚLTIMO, RI MELHOR
Autor: Mirelle de França
Fonte: O Globo, 29/10/2006, Economia, p. 48

À frente de uma holding avaliada em US$2 bi, empresário passa por cima das críticas e aposta em diversificação

A grande atração quando se chega ao Mr. Lam, badalado (e caro) restaurante chinês na Zona Sul do Rio, é uma grande mesa redonda cujo centro abriga o motor Lamborghini de uma lancha campeã. Há quem diga que os lugares são exclusivos para os que fecham contratos de negócios de mais de US$100 mil com o dono do pedaço: o empresário Eike Batista. Mineiro de alma carioca, às vésperas de completar 50 anos, ele é capaz de aparecer nas primeiras páginas dos jornais seja como inimigo do presidente boliviano Evo Morales ou como ex-marido da beldade Luma de Oliveira. A versatilidade e capacidade de jogar nas onze ¿ embora sua paixão no esporte seja mesmo as corridas de lancha ¿ também estão cada vez mais presentes em suas investidas empresariais.

Tudo começou em 1980, com uma mina de ouro na Amazônia. Hoje, além do metal, a holding EBX, avaliada em cerca de US$2 bilhões, abriga desde a mineradora MMX (chamada no mercado de mini-Vale do Rio Doce), passa pelo Mr. Lam e, recentemente, pelo projeto de um hospital na Barra da Tijuca, o MD.X, cujo investimento é de R$20 milhões. E, seguindo à risca o lema da empresa, ¿ir aonde ninguém vai¿, ele promete agitar o turismo carioca com um empreendimento avaliado inicialmente em R$30 milhões. A partir de abril, começa o projeto Pink Fleet, que prevê passeios de navio na Baía de Guanabara.

A primeira embarcação, com capacidade para 700 pessoas, chega em março. Os passageiros pagarão entre R$20 e R$60 pelo passeio, com direito a shows a bordo, lojas e restaurantes.

¿ Riram de mim há um ano, quando eu falava que iria fazer um restaurante. ¿Ah...Batista, fica quieto¿, disseram. Riram da MMX também. É sempre assim. Às vezes me chamam de maluco. Quero criar marcos na cidade para aumentar o astral do carioca. Nós, empresários que podemos e sabemos empreender coisas diferenciadas, temos um pouco de obrigação de fazer isso. Quem não ousa, não faz ¿ diz Eike em seu escritório com vista para o Pão de Açúcar, cuidadosamente decorado sob a influência do feng shui, arte chinesa que busca a harmonia nos ambientes.

Apontada como sua principal característica, a ousadia nos negócios também já levou Eike a fracassos memoráveis nos anos 90. Os mais conhecidos foram a indústria de cosméticos Clarity ¿ cuja garota propaganda era Luma, na época sua mulher ¿ e a fábrica de jipes JPX. Ele não se abala:

¿ No caso da Clarity, fui me meter numa área que conhecia pouco e não tive os profissionais certos ao meu lado. Não basta só a idéia do projeto. Foi um fracasso. Com a JPX, o erro foi de não ter escolhido uma montadora brasileira como fornecedora dos motores. Mas coitado do empresário que não tem uma história de fracasso, porque se aprende muito.

Ao longo de sua trajetória, Eike ganhou admiradores do seu estilo agressivo, mas também críticos implacáveis que, no entanto, preferem o anonimato:

¿ Ele não tem amigos, mas sócios. Se preocupa mesmo em ganhar dinheiro. Acima de tudo, Eike sabe se vender.

Eike quase perde o bom-humor, mas rebate os críticos com a elegância de quem teve a chance de aprender cinco línguas e de se formar em engenharia na Alemanha:

¿ Não concordo. Meus sócios ganham muito dinheiro e se afastam. A coisa que eu mais gosto é fazer empreendimentos onde todo mundo ganha muito dinheiro comigo e depois vai voar solo. Mas as pessoas mudam, tudo bem.

Outra coisa que também tira o sorriso do empresário é quando ele é perguntado se foi privilegiado por ser filho de quem é. Eike é um dos sete filhos de Eliezer Batista, duas vezes presidente da Vale e responsável por grandes projetos da empresa entre os anos 60 e 80. Questionado se o pai lhe deu, literalmente, o mapa da mina, Eike responde:

¿ Somos sete irmãos, por que eu (seria privilegiado)? Não diria que ele me influencia, mas que é um grande conselheiro que eu tenho. Ser filho dele, na verdade, sempre me prejudicou muito.

E foi longe da Vale que Eike se fez. Começou a carreira vendendo seguros na Alemanha ¿ filho de mãe alemã, viveu no país dos 12 aos 23 anos ¿ para complementar a mesada que a família mandava. Quando voltou para o Brasil, o país vivia uma corrida pelo ouro na Amazônia. Eike pegou um empréstimo de US$500 mil com dois joalheiros cariocas e foi negociar ouro na selva. Em um ano e meio, aos 24 anos, ganhava o seu primeiro milhão de dólares. Na verdade, US$6 milhões ao todo.

Aí vieram as minas de ouro. A segunda, no Amapá, foi em parceria com os empresários Olavo Monteiro de Carvalho, do Grupo Monteiro Aranha, e Antônio Dias Leite.

¿ Tinha aprendido que o negócio era arriscado e queria diluir esse risco. Foi quando aprendi a ter meu lado gente qualificada ¿ conta Eike.

Monteiro de Carvalho, hoje presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, lembra dos bons tempos na Amazônia:

¿ Ganhamos muito dinheiro. Eike tem uma visão prática das coisas, é um empresário moderno. Sabe como ninguém a hora de entrar e de sair de um negócio.

E, como ele mesmo confirma, sabe como ninguém se unir às pessoas certas. No caso do Mr. Lam, o sócio é o chef chinês de mesmo nome, que durante 30 anos comandou o restaurante Mr. Chow em Londres e em Nova York. Com investimento de R$5 milhões e garçons com salários que chegam a R$2 mil, o local é famoso por ter em seu cardápio o pato laqueado pela bagatela de R$148. O tíquete médio por cliente é de R$200.

¿ Não tinha nada igual no Rio. A fórmula é você trazer os executivos certos ou um sócio operador que, no caso do Mr. Lam é o próprio Lam (o chef tem 10% do negócio) ¿ explica Eike, que já teve um pé na gastronomia, quando foi sócio do empresário Ricardo Amaral no finado Alô, Alô, restaurante brasileiro em Nova York.

Amaral conta que o ex-sócio tem tanto entusiasmo quando entra num negócio que convence qualquer um de mergulhar de cabeça com ele:

¿ Ele não precisa de dinheiro, faz as coisas porque tem paixão.

A recente incursão na gastronomia leva Eike a questionar os investimentos deste porte no Rio. Segundo ele, São Paulo sempre leva a melhor. Um exemplo, diz o mais novo restaurateur da cidade, é que foi o Gero e não o Fasano, o empreendimento escolhido por Rogério Fasano ¿ um dos mais famosos e respeitados do ramo ¿ para inaugurar seus negócios no Rio. O italiano, em tom de brincadeira, mas mordido, respondeu:

¿ Manda o Eike catar coquinho. Trouxe o Gero porque tem muito mais a ver com o Rio, que é uma cidade descontraída.

Outra saia justa (com paulistas) foi vivida recentemente com o empresário Abílio Diniz, do Grupo Pão Açúcar. Depois de anunciar que o executivo Rodolfo Landim, ex-BR Distribuidora, seria seu mais novo funcionário, Abílio foi surpreendido pela notícia de que Landim estava indo comandar a MMX de Eike. Se dono do grupo Pão de Açúcar ficou chateado?

¿ Não sei, não falei com ele. Também não fui perguntar. Mas o Landim está feliz. A única coisa que eu falei para o Landim foi: fala para o Abílio que você quer ficar aqui e para ele deixar você ser feliz! ¿ se diverte Eike.

Meio constrangido, Landim prefere não comentar o assunto, mas diz que Eike é ¿muito agressivo quando quer alguém para trabalhar ao lado dele¿ em seus negócios:

¿ Ele tem um faro espetacular, consegue enxergar além da maioria. E sabe identificar talentos.

Além de alguns paulistas, os bolivianos também andam aborrecidos com Eike. Em abril deste ano, o presidente Evo Morales expulsou a EBX ¿ que estava construindo uma siderúrgica no país num projeto avaliado em US$150 milhões ¿ alegando que sua presença era ilegal. O impasse continua.

¿ A situação vai se normalizar. O que estávamos fazendo lá é o que eles sempre quiseram, que era agregar valor a matérias-primas ¿ comentou o empresário, que não gosta mais de tocar no assunto.

Gostar mesmo, Eike gosta é de falar da sua paixão pelas disputas de lanchas offshore. Campeão mundial em 1990, ele acaba de encomendar uma lancha de US$1 milhão, animado com o recorde alcançado na travessia Rio-Santos no início do ano. A volta aos mares, no entanto, aconteceu apenas depois da (tumultuada) separação de Luma, há dois anos. A relação entre eles, no entanto, é mais do que civilizada.

¿ Somos muito amigos, vizinhos e conversamos muito. Ele está sempre com os nossos filhos (Thor, de 15, e Olin, de 10) que já mostram ter o DNA do pai ¿ afirma Luma, contando que o mais novo empresta o guarda-chuva para os coleguinhas de escola e chega em casa com o bolso cheio de notas de R$1. E Eike admite, orgulhoso, que negocia as notas escolares com os filhos.

Luma diz que admira no seu ex-marido o apetite por desafios. Mas, segundo ela, apesar de alguns fracassos, Eike arrisca nos negócios com responsabilidade:

¿ Ele faz as coisas certas, na hora certa. É ousado, mas tem os pés no chão.

Durante o casamento com Luma ¿ Eike agora namora a modelo Flávia Sampaio ¿ ele aprendeu a conviver, a contragosto, com os paparazzi:

¿ Não gosto de ser fotografado sem saber ¿ reclama, depois de caprichar para as lentes da fotógrafa com uma desenvoltura surpreendente.