Título: UM XERIFE EM NOVA YORK
Autor: Dorrit Harazim
Fonte: O Globo, 29/10/2006, O Mundo, p. 54

Democrata que adotou linha-dura com grandes corporações é favorito na eleição estadual

NOVA YORK. Ele é conhecido como xerife de Wall Street. Tem olhos azuis de aço e é implacável. Prometeu limpar a política do estado de Nova York e, esta semana, não hesitou em atacar um aliado que usou dinheiro público para pagar o motorista da mulher. Eliot Spitzer, um democrata de 47 anos com nome e fama de xerife, deve ser eleito governador em 7 de novembro, sucedendo o pacato republicano George Pataki. Manteve liderança folgada nas pesquisas e já recebeu apoio dos jornais nova-iorquinos, entre eles o ¿New York Times¿.

¿No dia 1º , tudo vai mudar¿, é o slogan de campanha de Spitzer. A frase pode ser banal mas dita por ele soa como ameaça de verdade num estado famoso por acordos atrás das portas. Nos oito anos em que reinventou o cargo de secretário de Justiça, Spitzer botou em prática sua filosofia de que estados têm a obrigação de fiscalizar o mercado se Washington não consegue cumprir esse compromisso. Transformou o cargo meio apagado numa defensoria dos direitos do consumidor e, com isso, virou alvo de polêmicas intermináveis.

Para admiradores, obrigou gigantes do mercado financeiro, da indústria farmacêutica e do mundo dos negócios a mudar práticas fraudulentas e levou-os a pagar US$13 bilhões a consumidores de classe média. Para críticos é um populista, adversário das grandes corporações. Todos, no entanto, concordam que é implacável.

¿ Você não muda o mundo com sussurros ¿ disse a correspondentes estrangeiros.

O momento-chave de sua carreira foi quando acionou a poderosa corretora Merryl Linch por mandar investidores aplicarem em companhias que privadamente analistas financeiros criticavam. De início, era piada em Wall Street.

¿ No começo fiquei tão sozinho que me perguntei se era um Dom Quixote lutando contra moinhos de vento ¿ disse.

Sacou uma lei pouco conhecida para ter acesso a e-mails de funcionários e conseguiu provar que a corretora usava análises de mercado para atrair clientes. Era o jeitinho do mercado de fazer negócios e todos sabiam disso, menos a classe média, que se guiava por esses estudos para aplicar as sobras de salário. Ao obrigar a Merryl Lynch e outros gigantes ¿ entre eles o Citibank ¿ a assinarem um acordo de US$1,4 bilhão, Spitzer ensinou o caminho das pedras para os investidores serem indenizados.

Virou uma estrela nacional, ganhou apelido de xerife de Wall Street e não parou mais de atirar. Descobriu que fundos faziam negócios com grandes investidores depois de o mercado fechar e eles foram obrigados a ressarcir pequenos poupadores em US$2,4 bilhões. Obrigou a empresa farmacêutica Glaxo a ser explícita sobre o perigo de seu antidepressivo para adolescentes, depois de descobrir que a indústria tinha estudos mostrando que o Paxil não fazia efeito contra a depressão e ainda acentuava tendências suicidas dos jovens.

A lista das brigas que comprou é enorme: fez a ATT devolver US$400 milhões cobrados a mais dos clientes, exigiu de duas fábricas do meio-oeste que reduzissem suas emissões de gás carbônico por prejudicarem o ar de Nova York e processou o ex-presidente da Bolsa de Valores de Nova York Richard Grasso, afirmando que seu astronômico salário de US$200 milhões prejudicava o mercado de acões. ¿Ele é uma estrela. Debater com Spitzer é como entrar num corpo-a-corpo com um urso¿, disse um amigo dele à revista ¿Time¿.

O caminho de Spitzer para virar um advogado rico parecia traçado desde a adolescência. Estudou Direito em Princeton e Harvard, trabalhou com o promotor de Manhattan Robert Morgenthau e empregou-se num grande escritório de advocacia. Casou com uma colega de Harvard, teve três filhas, mora num apartamento, emprestado pelo pai, na Quinta Avenida. Surpreendeu a família quando aos 34 anos deixou de ser advogado de empresas para concorrer ao cargo de secretário de Justiça. Usou milhões de dólares do pai, um empresário poderoso no mercado imobiliário, para fazer campanha: perdeu uma, ganhou a segunda. Oito anos depois, é obrigado a andar com guarda-costas por causa dos muitos desafetos. Antes de virar governador, já se fala das suas pretensões de chegar à Casa Branca.

¿ Sou ambicioso e daí? Se alguém trabalha duro e consegue levar adiante causas justas, que mal existe em ter ambições? ¿ pergunta.