Título: Batatas de Lula
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/10/2006, O GLOBO, p. 2

Quatro anos após sua eleição, pilotando um governo bem avaliado pela população mas varejado por denúncias e bombardeado pela oposição, o presidente Lula foi reeleito por margem de votos próxima da que obteve em 2002. Nestas circunstâncias, uma vitória eleitoral e política sem precedentes, que ele precisa agora saber utilizar, buscando a superação do primeiro mandato, a distensão do ambiente político degenerado pela disputa e a garantia da estabilidade política.

Em seu discurso da vitória, conclamou todos os partidos ao diálogo, dizendo que a disputa acabou e o adversário, de todos, são os problemas e injustiças nacionais. Havia dito isso a Alckmin, no telefonema recebido pouco antes. Mas dará novos passos em busca dos consensos necessários. Não a cooptação da oposição, mas o desarmamento que separe os interesses coletivos das feridas da refrega. Nos últimos dias, a oposição isolou, sobretudo pela voz de Fernando Henrique, os que pensam num acerto de contas no tapete do TSE. Já é um sinal muito positivo. O resto é com Lula, dependerá de sua habilidade para administrar a vitória.

Ele desfrutará agora de condições políticas muito melhores que as oferecidas pela primeira eleição. O tamanho da vitória faz diferença, e ela não se expressa apenas na votação de Lula. Com o segundo turno de ontem nos estados, ele passa a ter o apoio de 16 dos 27 governadores. Mesmo entre os 11 da oposição, alguns não lhe são hostis. Em 2002, só contava com três petistas, de estados periféricos (AC, PI, MS). O segundo turno, diz o governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, possibilitou a ampliação das alianças e criou as condições para a construção de uma coalizão de governo mais consistente.

No Congresso, o PT não encolheu como previsto: tem a segunda bancada e foi o partido mais votado. Juntamente com PSB e PCdoB, terá uma base de partida razoável. A aliança com o PMDB ficou bem encaminhada na campanha e, se bem construída, dará a Lula a maioria, que no primeiro mandato sempre foi vacilante e dependente das exigências ¿ inclusive financeiras, a título de ajuda de campanha ¿ feitas pelos partidos médios.

Essa coalizão terá que se refletir de forma simétrica na constituição do novo governo, e o desafio de Lula será compô-lo observando a exigência de governabilidade, mas sem negligenciar a eficiência, a boa gestão, o padrão ético (esse, então, terá que ser um dogma) e o zelo pelas contas públicas. O PT já sabe que terá menos pastas, o PMDB terá maior participação, o PCdoB e o PSB terão que estar representados. Mas Lula deseja ter também ministros não partidários, de boa sintonia com a sociedade, como foi Roberto Rodrigues na Agricultura.

A reeleição não apaga o passivo ético, inclusive o caso do dossiê. É preciso concluir as investigações, desvendar todos os mistérios e punir. O PT terá que concluir sua assepsia, tornar-se definitivamente institucional, suprimir as reminiscências da clandestinidade e da transgressão. ¿Agora temos que salgar a terra para que o joio não mais germine¿, diz o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, da ala não paulista refundacionista.

O erro da oposição foi tentar transferir para o eleitorado o julgamento dos delitos éticos. Os eleitores preferiram julgar o governo. Tendo dito tanto na campanha que o Brasil está pronto para crescer mais, Lula terá que produzir resultados econômicos já a partir de 2007. Sem falar em outras promessas, relativas a educação, saúde, emprego, segurança. Terá que enfrentar a reforma política, liderar sua aprovação. Afinal, sustentou que muitos dos delitos decorrem dos podres do sistema.

Lá no horizonte já desponta 2010, quando Lula não será candidato. Um presidente reeleito tem que administrar seu próprio poder, impedindo que as articulações sucessórias produzam pólos concorrentes, em casa ou na oposição, que condenam o segundo mandato a ser uma réplica piorada do primeiro.