Título: NAS RUAS, BANDEIRAS SAEM SÓ TIMIDAMENTE
Autor: Fellipe Awi e Paula Autran
Fonte: O Globo, 30/10/2006, O País, p. 16

Sem a militância calorosa de pleitos anteriores, votação é tranqüila, com eleitores correndo depois para a praia

Era dia de eleição no Rio? Um desavisado não perceberia. Em toda a cidade, quase nenhuma militância ou boca-de-urna nas ruas. Nada de santinhos pelo chão. Um ou outro tirou a velha bandeira petista do armário. Alguns optaram por usar um dos dois lançamentos da temporada: a camisa preta ¿Lula não¿ ou a vermelha ou branca ¿Lula sim¿. Mas, na Zona Sul, o uniforme da militância foi o biquíni. Ao menos na parte da tarde, quando o sol firmou, depois de uma manhã de mau tempo. De Sérgio Cabral ou Denise Frossard, nenhum vestígio eleitoral.

No bar Jobi, no Leblon ¿ onde há 15 dias uma eleitora pró-Lula teve parte do dedo anular esquerdo arrancada pela mordida de outra, pró-Alckmin ¿ o marasmo foi quebrado quando o engenheiro Alfredo Machado chegou, de camisa ¿Lula sim¿, gritando que o lugar tinha se transformado em um ¿núcleo de nazi-facismo¿. Segundo ele, que deixou de ir ao bar após 30 anos de assiduidade, ali os petistas estariam sendo discriminados.

¿ Para evitar esses problemas, pedimos policiamento especial para o bar hoje (ontem). Não queremos confusão. Tem muita gente boa do PT que vive aqui ¿ disse a filha do dono do Jobi, que preferiu não se identificar, em frente ao carro da PM estacionado ali desde cedo.

¿ Sinto-me superconfortável aqui. Nós, da esquerda, lutamos muito para um cara botar uma camisa ¿Lula não¿ e outro, uma de ¿Lula sim¿ ¿ concordou o cliente assíduo Flávio Ribeiro, com seu modelo ¿sim¿.

Vaia para petistas e para tucanos

Nas primeiras horas de votação, a militância foi inibida pela chuva fina que caiu na cidade. Antes das 10h, quem chamava mais a atenção na orla de Copacabana era uma senhora que carregava uma bandeira do tucano Geraldo Alckmin. Sozinha, ela caminhava do Forte de Copacabana em direção ao Leme.

¿ Tenho pavor de viver mais quatro anos de ladroagem. Acho que essas pesquisas estão furadas. A esperança é a última que morre ¿ afirmou Fátima, que não quis dar o sobrenome, mas disse ser engenheira e moradora de Copacabana.

Fátima contou estar recebendo muitas manifestações de apoio e apenas algumas vaias:

¿ São de quem ganha Bolsa Família sem precisar.

A jornalista Lycia Ribeiro, de camisa do PT, também levou vaias, na Avenida Atlântica. Ela estava estranhando a falta de companheiros militantes.

¿ Já vivi dias de eleição mais animados ¿ afirmou.

Lycia ficaria um pouco mais animada se passasse pela esquina da ruas Paissandu e Marquês de Abrantes, no Flamengo. Ali ¿ onde, tradicionalmente, dezenas de militantes de esquerda costumavam dar expediente em dia de eleição com bandeiras, buttons, buzinas, espuma branca e outros apetrechos ¿ alguns eleitores do PT tremulavam bandeiras, distribuíam adesivos e repetiam um dos slogans da campanha de Lula: ¿Deixa o homem trabalhar!¿.

¿ A gente está aqui em toda eleição. É a esquina do Lula. Até agora só apareceu um chuchu estragado para reclamar ¿ contou Lauro Diniz, que vestia uma camisa em que havia um desenho de uma mão de quatro dedos, como a do presidente, e a inscrição: ¿Mais quatro anos¿.

Perto dali, no Colégio Bennett, seção eleitoral da Zona Sul, Igor, de 2 anos, usava uma camisa com uma pergunta apartidária e inquietante: ¿Que Brasil vocês vão deixar para mim?¿.

¿ É para as pessoas refletirem antes de votar. Está na hora de o povo acordar e participar ¿ disse o pai de Igor, o economista Sérgio Campos.