Título: UMA OPORTUNIDADE PARA O BRASIL
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 30/10/2006, O País, p. 17

O Brasil tem o desafio de, com políticas sociais apropriadas, aproveitar a oportunidade histórica que a estrutura etária de sua população oferece para o país se desenvolver. O bônus demográfico é uma janela de oportunidades, gerada pela estrutura etária e pelo declínio da fecundidade no país. As mulheres tinham seis filhos em 1970, passando para dois em 2005. Adultos em idade ativa (15 a 64 anos) sustentam dois tipos de dependentes: as crianças (de 0 a 14 anos) e os idosos (65 anos ou mais). O bônus demográfico surge quando essa dependência diminui. Em 1980, 73 dependentes eram sustentados por cada cem adultos. Esse índice deverá cair para 49 em 2025 e voltará a crescer a partir de então. Este período entre 1980 e 2025 é o do bônus demográfico, quando surgem as oportunidades ditadas pelo menor número de dependentes. Cerca de 66 crianças eram sustentadas por cada cem adultos em 1980, passando para 42 em 2005 e caindo menos a partir deste ponto. O número de idosos sustentados por cada cem adultos era de sete em 1980, passando para nove em 2005 e chegando a 13 em 2020. Depois de 2020, o número de idosos continuará crescendo, devido ao envelhecimento da população brasileira.

Trocando em miúdos, desde 1980 é cada vez mais fácil sustentar as crianças dependentes no país, mas essa colher de chá só vai até 2025, pois a partir de então o número de idosos vai pesar e crescer. O desafio na área social é construir uma sociedade desenvolvida para que, daqui a 25 anos, sustente um país envelhecendo e envelhecido. Urge aumentar a escolaridade de crianças e jovens agora. Depois será mais difícil. Estamos atrasados.

A década de 90 foi marcada pela melhoria no atendimento escolar, mas nem o problema da quantidade nem o da qualidade estão resolvidos na educação. O índice de atendimento a crianças de 7 a 14 anos era de 97,2% em 2003, mas as taxas de repetência por série no Brasil ainda são elevadas. A infra-estrutura das escolas do ensino fundamental ainda está aquém do desejável: em 2003, apenas 57,4% dos alunos cursavam escolas com bibliotecas, e 30,9% escolas com laboratório de informática. Apenas 56,8% dos docentes do ensino fundamental tinham nível superior em 2003. O ensino infantil deixa a desejar no atendimento da população de 0 a 3 anos. A taxa de atendimento escolar dos jovens de 15 a 17 anos era de 82,4% em 2003, mas apenas 43,1% cursavam o ensino médio. O nível de aprendizado gerado pela rede é baixo, medido pelo desempenho nos testes nacional e internacional. A taxa de atendimento dos jovens de 18 a 24 anos é de 34%, enquanto apenas 10,6% cursam o ensino superior.

O país deve acelerar as mudanças, não há margem para erros. Essa é uma área de poucos consensos sobre as melhores práticas, com cerca de cem anos de negligência republicana. Uma visão mais ampla do que o foco exclusivo na educação, integrando saúde e nutrição numa perspectiva de ciclo de vida individual, pode ajudar na revolução almejada. O ciclo de vida individual demarca transições chaves na vida, que devem ser marcadoras de políticas públicas com impacto seqüencial. Os brasileiros sofreriam intervenção continuada de políticas públicas integradas nas transições listadas a seguir: primeira infância, de 0 a 3 anos (creche ou educação das mães para o estímulo cognitivo, educação nutricional, vacinação, acompanhamento médico e investimentos em infra-estrutura como no saneamento básico); pré-escola, de 4 a 5 anos (tempo integral se necessário); ensino fundamental, de 6 a 14 anos (tempo integral pelo menos para filhos de mães com baixa escolaridade e ausência do trabalho infantil); ensino médio, de 15 a 17 anos (adiando a entrada no mercado de trabalho e a geração de filhos) e a transição para a vida adulta, com 18 anos e mais (prolongando a trajetória escolar o máximo possível, mesmo quando acompanhada do início do trabalho e possivelmente aumentando a idade no casamento e no primeiro filho). Um foco especial seria dado aos filhos de mães pobres e/ou de baixa escolaridade.

O programa Bolsa Família é absolutamente necessário para viabilizar essa revolução. A transferência de renda reduz as restrições de crédito nas famílias pobres, aumentando o investimento em capital humano, enquanto a imposição de freqüência escolar mínima (condicionalidade) torna a educação mais barata, induzindo um aumento na demanda. Óbvio que uma política de transferência de renda depende de oferta adequada de serviços, de tal forma que é equivocado contrapor este programa aos gastos com educação ou saúde. Eles são complementares. É preciso interagir este programa com as políticas de saúde e educação, principalmente no que tange ao atendimento à população de 0 a 3 anos e à população jovem com mais de 15 anos (programas para o ensino médio e para a transição para a vida adulta). É imperativo o desenvolvimento de um BF 2 ou de programas interativos nos outros ministérios. O trabalho conjunto das dimensões ciclo de vida, família, transferência de renda, provisão de serviços de qualidade em tempo integral para os vulneráveis, e melhores práticas na provisão dos serviços de educação e saúde (salários acoplados ao desempenho avaliado do servidor) aumenta as chances de uma boa colheita do bônus demográfico, viabilizando o desenvolvimento sustentado. Neste cenário de sucesso, a Previdência futura será sustentada por uma força de trabalho mais escolarizada e bem remunerada.

EDUARDO L.G. RIOS-NETO, professor titular no Departamento de Demografia na UFMG e presidente da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD)