Título: AINDA UM BRASIL DESIGUAL PELA FRENTE
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 30/10/2006, O País, p. 17

País avançou na redução da pobreza, mas assistencialismo disputa verba com educação, saúde e infra-estrutura

Ao assumir o segundo mandato, em janeiro, o presidente Lula ainda estará diante de um país extremamente desigual, onde alunos de escola pública mal aprendem a ler, pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) enfrentam filas e falta de remédios, e a renda de 51% das famílias não passa de um salário mínimo por pessoa. Nos últimos anos, o Brasil acumulou avanços que se traduziram na redução da pobreza e da desigualdade, mas ainda insuficiente. Acelerar o ritmo vai exigir mais recursos, e especialistas advertem: para pagar a dívida social, a economia terá de crescer de forma sustentada.

¿ O social não vai ser resolvido apenas com políticas sociais. É preciso ter crescimento econômico com distribuição de renda ¿ diz a diretora de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Anna Peliano, que foi secretária-executiva do programa Comunidade Solidária no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ano passado, segundo estudo coordenado pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, 41,8 milhões de brasileiros viviam com menos de R$121 por mês, o equivalente a 22% da população. Ainda assim, é o mais baixo índice do período analisado, de 1992 a 2005.

¿ Se o Brasil mantiver o crescimento pífio, vai chegar a um ponto em que não haverá mais dinheiro para pagar a Previdência, o Bolsa Família. A falta de crescimento pode ser um freio à redução da desigualdade ¿ diz o pesquisador do Ipea Sergei Soares.

Pressão por mais gastos

As pressões por mais gastos vêm de todos os lados, em proporção direta às carências sociais do país. Do Bolsa Família, o carro-chefe dos programas de transferência de renda, ao salário mínimo, que tem implicação direta sobre os gastos da Previdência. A face assistencialista da rede de proteção social disputa recursos com educação, saúde e infra-estrutura.

Só em saneamento e habitação, o Ministério das Cidades estima que seriam necessários cerca de R$322 bilhões para zerar o déficit de 7,2 milhões de residências, além de atender 60 milhões de pessoas que vivem sem rede de esgoto em casa. Na saúde, o governo reluta em regulamentar a emenda constitucional número 29, que prevê maiores despesas para a União, definindo também o que será considerado gasto em saúde.

Na educação, o país conseguiu universalizar o ensino fundamental, mas está longe de fazer o mesmo no ensino médio e na educação infantil. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostrou que o número de jovens de 15 a 17 anos fora da escola cresceu ano passado, atingindo 1,95 milhão.

Mas a batalha mais difícil ¿ e cara ¿ do ensino é contra a falta de qualidade, o que passa por salários mais altos e melhor formação de professores. Ou seja, mais dinheiro.

O Prova Brasil, o mais abrangente teste já feito pelo Ministério da Educação (MEC) no ensino fundamental, mostrou que 54% dos alunos de 4ª série da rede pública tinham dificuldades de leitura. Na 8ª série, 63% eram incapazes de calcular uma porcentagem.

¿ Para vencer o desafio da qualidade, é preciso superar outro, que é o do financiamento. O Brasil investe pouco ¿ diz Célio Cunha, especialista da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

¿Brasil ficará muito atrás¿

A Unesco recomenda gastos de 6% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas pelo país num ano), enquanto o Brasil destina cerca de 4,5%. Pior: a taxa de 6% é indicada para países que já resolveram o déficit educacional e cuidam apenas de oferecer boa formação aos novos estudantes.

O governo Lula acena com a criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), proposta consensual entre os partidos políticos, mas que enfrentou resistências da equipe econômica e ainda não foi aprovado no Congresso. O Fundeb levará a União a repassar inicialmente R$2 bilhões e, em quatro anos, R$4,5 bilhões a governos estaduais e prefeituras, os responsáveis pela rede de educação básica. A verba adicional multiplicará por dez a participação federal. Mas, em relação ao total de recursos movimentados pelo novo fundo, será uma parcela de apenas 10%.

¿ O Fundeb representa uma melhora, mas o Brasil ficará muito atrás. Precisa de muito mais dinheiro ¿ diz o representante da Unesco no Brasil, Vincent Defourny, citando países que priorizaram o ensino nas últimas décadas, como Coréia do Sul, Espanha e Finlândia, e hoje colhem resultados econômicos.

A representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Marie-Pierre Poirier, chama a atenção para as desigualdades regionais e raciais associadas à pobreza:

¿ No semi-árido, a mortalidade infantil, em 75% dos municípios, está acima da média nacional. Entre crianças negras, o risco de não completar um ano de vida é duas vezes maior. Entre as indígenas, sete vezes.