Título: DÚVIDAS E ESPERANÇAS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA NOS PRÓXIMOS ANOS
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 30/10/2006, O País, p. 19

As últimas décadas não têm sido boas para o Brasil em termos econômicos. Ao contrário do que ocorria anteriormente, estamos crescendo bem menos do que a média dos países emergentes. E, o que é ainda muito mais grave, nossa renda per capita está se distanciando cada vez mais da dos países mais ricos.

Contrastando com esses tristes fatos, temos o sistema político democratizado, a desinflação da nossa moeda, a diminuição da desigualdade da educação, e a transferência de renda aos que necessitam com programas tipo Bolsa Família. Esses avanços se refletem nos aumentos dos indicadores sociais como o IDH e na modesta, mas significativa, diminuição do coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, no qual o Brasil é triste detentor de recordes mundiais. Essas conquistas não são poucas, mas a estagnação em termos internacionais é preocupante.

Há um óbvio e tentador impulso de estabelecer uma relação entre essas duas tendências opostas descritas acima. A democracia seria em um país como o nosso, com níveis profundos de desigualdade de renda, agravada pela acentuada expansão demográfica nas classes menos favorecidas, incompatível com um crescimento econômico desejável e realista. Isso porque, em uma democracia, a maioria pobre vai votar por transferências de renda que corrijam as extremas desigualdades sociais vigentes. Isso, por sua vez, provoca uma elevação da carga tributária e uma conseguinte elevação do custo do capital, que é taxado no processo de fazer negócios em geral no país. Este cenário termina por afastar o investidor, seguindo-se daí o baixo crescimento econômico.

Há algo de profundo e verdadeiro neste argumento, e isso é inquietante. Pois em um país como o Brasil não existem alternativas ao processo democrático. E é bom que assim seja. Contudo, os avanços conseguidos têm sido feitos de forma superficial e imediatista. Por exemplo, ao contrário do exemplo internacional, o combate à inflação foi feito sem o correspondente ajuste fiscal.

Ao olharmos daqui para frente, as perspectivas, se não são catastróficas, também não são muito brilhantes se seguirmos o mesmo caminho. Com efeito, nos próximos anos podemos prever fatores positivos ao crescimento econômico como queda na taxa de juros, já que a inflação caiu de 12% ao ano para 3% ao ano, e tivemos a queda do risco Brasil. Podemos também antecipar um cenário favorável ao preço dos produtos primários, dado o crescimento da China e da Índia.

Além disso, o efeito retardado das melhorias institucionais conseguidas nos últimos anos deve continuar a ter efeitos positivos. Aqui estou me referindo a avanços como a lei da micro e pequena empresa, que deve trazer alguma formalização da atividade econômica, e a nova lei de falências, que deve permitir um desenvolvimento do mercado de credito para as empresas de pequeno e médio porte.

Podemos esperar também os efeitos positivos das mudanças nas regras que regem o financiamento da habitação. Estas duas últimas mudanças são particularmente importantes quando se tem em mente as esperadas reduções de taxas de juros e a conseqüente redução na necessidade de financiamento do governo. Acrescenta-se a isso um aumento da escolarização da força de trabalho, como, aliás, já vem ocorrendo nos últimos anos.

Porém, em contraposição aos fatos positivos que acabamos de mencionar, vamos enfrentar uma continua competição dos países asiáticos que vão nos pressionar para a desindustrialização e vão nos exigir uma enorme capacidade de flexibilidade para nos deslocarmos para outros setores de produção. Se bem que o resultado final possa vir a ser benéfico para todos, reduzindo o custo de produtos no mundo, não é clara a nossa capacidade de adaptação. Por outro lado, a pressão por mais transferência de renda para os mais pobres vai persistir. E com isto, a necessidade de mais recursos orçamentários e o conseqüente aumento da carga tributária. E esta, como sabemos, reduz nossa capacidade competitiva e induz a informalização.

A única saída dessa situação é a busca de transferências de renda que sejam também produtivas. Isso é, devemos abandonar as iniciativas como aumento de salário mínimo, aposentadoria precoce etc. Isso sem falar nas inúmeras e maléficas transferências associadas ao processo burocrático, que emperram a economia e aumentam o custo Brasil. Além de transferirem renda para pessoas de alto poder aquisitivo.

Por outro lado, devemos intensificar programas como o da educação infantil e a pré-escola, cujo projeto de lei ainda está tramitando no Congresso Nacional, assim como implementar a redução da idade de escolarização obrigatória de seis para cinco anos. Outra medida importante seria a definição do marco regulatório seguido de privatização, do setor de saneamento básico. Esta medida pode trazer melhoria de qualidade de vida aos mais pobres, inclusive com a redução da mortalidade infantil. E isso sem recursos fiscais, pois seria obtido com investimentos privados.

Portanto, a esperança de um crescimento econômico maior que o verificado nas últimas décadas passa por reformas como a da Previdência, que deveria aumentar a idade mínima de aposentadoria para os 65 de idade para homens e mulheres. Passa também pela eliminação de gastos públicos de baixa prioridade e transferências de renda injustificáveis. Isto sem falar na supressão da corrupção, que além de intolerável do ponto de vista ético, também agrava a já difícil situação fiscal. Só com acordo político, ainda que temporário, entre o governo eleito e a oposição, poderia corrigir o profundo desequilíbrio fiscal que está estrangulando o desenvolvimento. Desta forma, poderíamos abrir algum espaço para as transferências educacionais necessárias para uma sociedade estruturalmente mais igualitária, e mais compatível com uma democracia estável.

ALOÍSIO ARAÚJO, economista, professor e pesquisador da FGV e do Impa