Título: Desafio é crescer sem inflação e não concentrar os sacrifícios
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 30/10/2006, O País, p. 19

Agenda do segundo mandato deve incluir corte de gastos públicos e de juros

O principal desafio do presidente Lula na área econômica, no segundo mandato, é acelerar o ritmo do crescimento sem acordar o velho monstro da inflação. Pôr um ponto final em 26 anos de desempenho econômico medíocre ¿ com expansão média de 0,3% ao ano, de 1980 até hoje ¿ passa pelo aumento do investimento. Os economistas divergem se o caminho para saltar dos atuais 3% para a média mundial de 5% deve ser iniciado pela via do ajuste do gasto público ou por um corte mais drástico dos juros, mas concordam que ambas implicam sacrifícios. A dúvida é se Lula, no segundo mandato, terá vontade e apoios políticos para distribuí-los.

¿ O sacrifício não pode ser só da classe média, que arca com uma das mais altas cargas tributárias do mundo ¿ diz o cientista político Ricardo Ismael, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio.

Juros altos inibem produção

Segundo Ismael, também não seria justo penalizar só a base da pirâmide social, cortando o Bolsa Família, por exemplo:

¿ Tem que eliminar o excesso de gente pendurada em órgãos públicos para atender a interesses partidários. Tem que cortar o gasto médio por deputado, de R$97 mil por mês, 50% com assessores. Tem que cortar ministérios e endurecer no combate à corrupção.

O modelo adotado a partir de 1999 ¿ com metas de inflação, bandas cambiais e superávit primário ¿ conteve a inflação e diminuiu a vulnerabilidade do país a choques externos. Mas não produziu investimentos capazes de aumentar a oferta de produtos e serviços, gerar empregos em grande escala e acabar com a pobreza.

¿ Num país em que o investimento depende tanto do setor privado, não há estímulo suficiente à produção ¿ acrescenta Ismael.

Economistas de linha mais ortodoxa, como o diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Paulo Levy, avaliam que o investimento só vai aumentar, dos atuais 20% para 25% do PIB, se o presidente atacar imediatamente o problema fiscal. A redução do gasto público possibilitaria a queda futura dos juros e da carga tributária.

¿ O desafio é pôr um teto no gasto corrente como proporção do PIB ¿ opina Levy.

Economistas desenvolvimentistas, como João Saboia, diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discordam. Acham que o mais urgente é derrubar os juros, que representam despesa de 8% do PIB para o governo:

¿ Quem é o empresário que vai se dispor a investir com esse custo do dinheiro?

Saboia diz que ter uma dívida pública equivalente a 50% do PIB não é problema. A dos Estados Unidos, da Itália e da Irlanda é muito maior, diz.

Segundo ele, o novo presidente terá que sinalizar que deseja mais crescimento, além de brigar para derrubar os juros.

¿ Vai ter que jogar duro com o mercado financeiro e ter força política para enfrentar a retaliação. Mesmo que ameacem, não há razão para fuga de capitais. Não há lugar no mundo em que aplicações em títulos públicos rendam 8% reais ao ano ¿ comenta Saboia, lembrando que a perspectiva de baixo crescimento, provocada pela política monetária (juros altos), torna muito mais vantajoso aplicar em títulos públicos, com ganhos de 8% ao ano acima da inflação.

Para Levy, o problema fiscal é mais urgente, agravado pela explosão das despesas previdenciárias, que sofreram impacto dos reajustes do salário mínimo. Desde 1988, o gasto com aposentadorias e pensões foi de 2,5% para 8% do PIB. E vai piorar, já que o número de pessoas com 60 anos ou mais dobrará em 25 anos.

¿ Corte de gasto gera desgaste político. Para mexer em aposentadorias e diminuir cargos de confiança, será preciso algum acordo com a oposição ¿ analisa Ismael.

Mudanças na Previdência

Segundo Levy, o presidente deve enviar ao Congresso uma proposta de reforma da Previdência já em 2007. A receita amarga inclui a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo; alteração constitucional para as aposentadorias serem corrigidas só pela inflação; adoção de idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens; eliminação de aposentadorias especiais; e aumento de 65 para 70 anos na idade mínima para o benefício da Lei de Orgânica de Assistência Social (Loas).

¿ O governo não precisa sacrificar a política social para fazer o ajuste. O Bolsa Família é mais efetivo para reduzir a pobreza e a extrema pobreza do que o salário mínimo ¿ diz Levy, lembrando que, enquanto não cortar gastos, o presidente terá que brigar para renovar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Desvinculação de Receitas da União (DRU) em 2007.

Outro gargalo é a energia. Nessa e em outras áreas, o ambiente regulatório não ajuda:

¿ As agências reguladoras viraram cabide de emprego do governo. Estão lá para acomodar a distribuição de cargos dos partidos aliados, e não para garantir o cumprimento das regras ¿ critica Ismael.