Título: Democratas também atolam no Iraque
Autor: John M. Broder
Fonte: O Globo, 24/09/2006, Internacional, p. A34

Para os democratas do Congresso americano e para aqueles que esperam se juntar a eles, a incômoda guerra no Iraque representa tanto uma oportunidade política como um intenso dilema.

Algumas pesquisas de opinião recentes mostram que os eleitores consideram a guerra a questão mais importante que o país enfrenta hoje, e estão muito apreensivos em relação à forma como o governo Bush está lidando com ela.

Todavia, a população parece dividida igualmente em relação ao que fazer sobre isso. A metade diz que os Estados Unidos devem manter suas tropas no Iraque e a outra metade quer que os soldados sejam trazidos de volta para casa. Metade apóia um cronograma resoluto para a retirada, a outra metade pensa que essa é uma má idéia.

Assim, o que vai dizer um candidato democrata ao Congresso sobre o Iraque, além de articular uma ampla mensagem contra a guerra? Será que deve apresentar um plano detalhado para retirar o país de uma guerra cada vez mais impopular? Oferecer apoio para um cronograma resoluto de retirada mas deixar a data do início e do fim vagas? Dizer que é melhor deixar tais decisões para os generais que estão em campo ou apenas continuar batendo no presidente Bush, no secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, e nos republicanos do Congresso por terem começado uma guerra mal planejada e sem uma saída?

Democratas do país inteiro estão tentando todas essas abordagens numa cacofonia de frustração e aflição, refletindo as divisões dentro do partido em nível nacional. Se está difícil ver um plano dos democratas para acabar com a guerra é porque este plano não existe.

¿É uma embrulhada¿, disse Andrew Kohut, presidente do Pew Research Center for the People and Press, que tem feito extensas pesquisas de opinião sobre as atitudes em relação à guerra. ¿O motivo pelo qual os democratas não estão falando sobre planos específicos para acabar com a guerra é porque está difícil imaginar o que dizer sem se indispor com uma ampla faixa do eleitorado.¿

Entre os democratas que estão tentando encontrar a mensagem certa sobre o Iraque está Eric Massa, um graduado na Academia Naval dos EUA que passou 24 anos na ativa e agora trabalha como assessor parlamentar no Congresso. Ele está concorrendo com um republicano novato, o deputado John R. Kuhl Jr., por uma cadeira pelo Estado de Nova York. Massa oferece uma crítica completa sobre a política de Bush no Iraque, baseado nos anos que passou na Marinha e no seu tempo de serviço como funcionário sênior da Otan lidando com a guerra civil na Bósnia.

¿Nunca conseguiremos criar uma democracia jeffersoniana no Iraque na ponta da baioneta¿, disse ele. ¿Esse é um esforço inútil. Quanto mais tempo tentarmos, piores serão as conseqüências.¿

Massa deu apoio a um plano criado pelo senador Joseph R. Biden Jr., democrata de Delaware, de criar três regiões semi-autônomas no Iraque para impedir que curdos, xiitas e sunitas se esganem uns aos outros. O projeto de Biden é um dos mais detalhados planos democratas para encerrar o envolvimento americano no Iraque e tem sido aceito por uma série de candidatos democratas à Câmara e ao Senado.

Mas mesmo um candidato firmemente contra a guerra como Massa, apoiado pela entidade liberal MoveOn.org, e pelo senador John Kerry, democrata de Massachusetts, agora uma das vozes mais eloqüentes no Congresso contra a guerra, se absteve de exigir a retirada imediata do Iraque.

¿Mesmo se começarmos hoje¿, disse Massa, ¿levaria de seis a 18 meses para concretizar isso. Mas se não começarmos, nunca promoveremos a retirada¿.

O oponente de Massa criticou-o, dizendo que esta postura é o equivalente a uma rendição. ¿Essa é a velha retirada às pressas¿, disse Kuhl. ¿Eu não erguerei a bandeira branca como meu oponente diz que fará.¿

O debate entre Kuhl e Massa, se é que pode ser assim chamado, lança uma luz sobre as dificuldades de alguns democratas para se manifestar sobre o Iraque. Quanto mais específicos eles forem nas proposições de soluções para o impasse no Iraque, mais abrem um flanco para as acusações de derrotismo por parte dos republicanos, ou coisa pior.

¿A acusação de `retirar-se às pressas¿ está funcionando?¿, perguntou Douglas Foyle, professor de Ciências Políticas da Wesleyan University. ¿Minha sensação é que até agora não está funcionando, mas isso não quer dizer que não venha a funcionar mais tarde. A população não está gostando do jeito que as coisas vão, porém ainda não está preparada para fugir.¿

Uma pesquisa de opinião conduzida pelo Pew Research Center divulgada na semana passada descobriu que os candidatos democratas ganham mais apoio entre os eleitores democratas defendendo uma retirada imediata, mas que esta posição tende a repelir os independentes. A posição mais segura parece ser apoiar um cronograma para a retirada, a qual os independentes preferem numa proporção entre 20% e 35%.

Foyle disse que a situação enfrentada pelos democratas hoje é, de alguma forma, um remanescente da eleição de 1968, na qual nem o presidente Lyndon Johnson nem o indicado pelos democratas para presidente, o vice-presidente Hubert Humphrey, conseguiram responder à crescente inquietude da população em relação ao Vietnã.

¿Lyndon Johnson disse que teria ouvido qualquer um que tivesse planos para atender às metas dos americanos e retirar as tropas do Vietnã¿, disse Foyle. ¿Mas ninguém tinha um plano.¿

Isso deu a Richard Nixon liberdade para surfar numa vaga plataforma contra a guerra, prometendo alcançar a ¿paz com honra¿ sem dizer de que forma faria isso. ¿Mas, como estratégia política, funcionou. Ele conquistou a Casa Branca, embora as tropas americanas só tenham se retirado do Vietnã cinco anos depois.¿

Alguns candidatos democratas acreditam ser suficiente apontar os problemas com a guerra no Iraque e surfar na onda de insatisfação no seu escritório. Outros sentem que têm o dever de oferecer uma alternativa.

James Webb, um ex-fuzileiro naval e atual secretário da Marinha que está disputando uma cadeira com o senador George Allen, republicano da Virgínia, disse que Allen e seus aliados o ridicularizam por criticar a guerra sem oferecer um plano concreto para salvar a situação.

¿O que os republicanos realmente gostam é que os democratas se apresentem e digam `Eis o cronograma¿, para que eles possam atacá-lo¿, disse Webb numa entrevista na semana passada. ¿Mas minha pergunta é `Qual é o seu plano? Vocês dizem: `Continuem¿. O que isso quer dizer¿?

De sua parte, Allen está bem próximo da Casa Branca em relação ao Iraque e ataca Webb por oferecer o que diz ser uma miscelânea de propostas que não lidam com a crise imediata de segurança.

¿Como todos os democratas no país todo, Jim Webb não consegue apresentar qualquer tipo de posição clara sobre para onde ir a partir daqui¿, disse o coordenador da campanha de Allen, Dick Wadhams.

No Novo México, Patricia Madrid, a secretária da Justiça democrata, está disputando uma cadeira com a deputada Heather Wilson, uma republicana do Comitê do Serviço de Informações da Câmara. Heather é formada na Academia da Força Aérea e ex-membro do Conselho Nacional de Segurança.

Madrid disse que entrou na disputa especificamente para desafiar Heather Wilson no que diz respeito ao Iraque, dizendo que ela tem responsabilidade particular por deixar de exercer a supervisão sobre as agências de informações que produziram registros imprecisos sobre os programas de armas do Iraque. ¿Com toda a experiência dela, podia ter se saído melhor¿, disse Madrid.

Ela tem exigido que o governo produza um plano para acabar com o envolvimento americano na guerra dentro de um ano, mas não se sente impelida a oferecer um plano específico de sua autoria. ¿Minha proposta é sair de lá o mais rápido possível¿, disse ela. ¿Não sou um general, mas este plano poderia incluir algum tipo de realocação da nossas tropas na região.¿

Heather Wilson, embora expressando algumas dúvidas sobre a conduta dos EUA na guerra, rebate a idéia de uma saída prematura, identificando o debate como uma ¿escolha entre a determinação e a debandada¿.

Biden, que já foi uma vez e possivelmente será candidato à presidência no futuro, disse que provavelmente os democratas podem ter ganhos substanciais na Câmara e no Senado simplesmente chamando a atenção para o fato de como as coisas estão indo mal no Iraque. Mas disse que os democratas e a população estariam melhor servidos com uma discussão detalhada sobre como sair do Iraque sem deixar o caos para trás. ¿Retirar nossos soldados pode ser um último recurso, mas não é um plano¿, disse Biden. E acrescentou que sua proposta de subdividir o país poderá formar a base para uma solução duradoura que permita que as forças americanas saiam em um período de tempo razoável.

Bruce W. Jentleson, professor de Políticas Públicas na Duke University e funcionário do escritório de planejamento de políticas do Departamento de Estado no governo do presidente Bill Clinton, disse que talvez não seja realista para alguns candidatos ser muito específico. ¿A maioria dos candidatos ao Congresso não tem o conhecimento nem a experiência para apresentar um plano detalhado para o Iraque¿, disse Jentleson, que foi consultor de Al Gore na campanha de 2000 e este ano não está trabalhando com nenhum candidato. ¿Se lhes for feita uma pergunta difícil fora dos pontos que eles costumam abordar, não conseguirão respondê-la.¿

¿Muitos deles pensam que é suficiente renegar a política de Bush. Mas estou convencido de que isso não é verdade, pois passa a impressão que os democratas sabem o que combatem mas não sabem o que defendem.¿