Título: Crescer e crescer
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 31/10/2006, O GLOBO, p. 2

É apenas aparente a contradição entre a promessa do presidente Lula logo após a confirmação de sua reeleição, de manter uma ¿política fiscal dura¿, e as declarações dos ministros Dilma Rousseff e Tarso Genro, de que a política econômica será agora mais desenvolvimentista. A promessa que sintetiza o novo contrato firmado entre a maioria do eleitorado e o presidente é a de um maior crescimento. Mas, em seu dia de triunfo, Lula se aborreceu com a precocidade da discussão que disseminou especulações.

Mais do que o conteúdo das declarações, o que incomodou Lula foram a hora e a forma utilizadas pelo ministro Tarso Genro, que falou em fim da ¿era Palocci¿. O presidente acha-se muito devedor do ex-ministro por seu trabalho, que garantiu a estabilização da economia e a restauração da credibilidade depois das turbulências de 2002. ¿Não houve era Palocci nem existe era Mantega¿, diria numa das entrevistas. Tudo era e é discutido com ele.

Os boatos e a percepção de uma disputa interna pelo comando da economia exigiram desmentidos e esclarecimentos num dia que deveria ter sido de alívio. Mas, no essencial, Dilma, Tarso e o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, estão expressando uma consenso de governo, ou pelo menos do núcleo mais próximo do presidente: o de se buscar maiores taxas de crescimento com uma queda mais acelerada dos juros, mantido o superávit primário e as metas de inflação. As receitas correntes teriam que ser reduzidas, mas sem cortes duros que ¿façam o povo sofrer¿, como disse Lula. Em outras palavras, sem sacrificar as políticas sociais.

¿ O que estamos dizendo é que, assegurada a estabilidade, podemos agora entrar numa nova fase, com mais ênfase no desenvolvimento. Isso não significa negligenciar o superávit nem a inflação. A credibilidade já está assegurada ¿ disse-nos a ministra Dilma.

Mantega havia afirmado praticamente a mesma coisa, assim como o deputado eleito Ciro Gomes, um interlocutor importante de Lula em questões econômicas.

Se a ênfase será posta na redução mais acelerada dos juros, as indagações se voltam naturalmente para a permanência do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ou sua diretoria, um nicho da ortodoxia que Palocci representou.

A visita do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimental, ao presidente reforçou boatos de que estaria cotado para substituir Mantega. Ele continua negando, foi apenas apresentar os resultados eleitorais em Minas, onde coordenou a campanha e Lula cresceu no segundo turno. Nem haveria sentido na troca de Mantega por ele, que é politica e afetivamente ligado a Dilma. E ela parece ser claramente favorável à manutenção de Mantega.

Como Lula não pretende anunciar ministros e substituições antes do início de dezembro, esta tensão entre os dois pólos de orientação econômica deve persistir, gerando um estresse que poderia ter sido adiado mas não deve ser evitado, na hora de fazer da estabilidade não mais um fim em si mesmo, mas um instrumento de progresso do país.

Entre dezenas de telefonemas, um comoveu muito o presidente Lula. O de dona Canô, mãe de Caetano e Bethânia, dando notícias de sua boa votação em Santo Amaro (BA).