Título: CATÁSTROFE CLIMÁTICA
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 31/10/2006, O Mundo, p. 32

Aumento da temperatura ameaça reduzir economia mundial em 20% em 50 anos

Um relatório do governo britânico divulgado ontem diz que o aquecimento global pode levar a economia mundial a encolher em até 20% dentro de meio século. As secas e o aumento do nível dos mares afetariam consideravelmente a produção de alimentos e as fontes de água potável, gerando uma das maiores levas de refugiados da História. Os maiores prejudicados seriam os países em desenvolvimento, como o Brasil, que não teriam tantos recursos quanto as nações mais ricas para adaptarem sua economia a um planeta mais quente e instável. O relatório observa, porém, que o quadro catastrófico pode ser evitado se forem tomadas medidas para reduzir as emissões de gases que contribuem para o efeito estufa. Mas as emissões só fazem crescer. Ontem, a ONU disse que o aumento foi de 4% entre 2000 e 2004.

Primeira grande contribuição de um economista, Nicholas Stern, aos estudos sobre mudanças climáticas, o Relatório Stern demonstra em suas 700 páginas que as temperaturas devem aumentar de dois a três graus Celsius em 50 anos, podendo alcançar até cinco graus a mais no fim do século, se as emissões continuarem a aumentar no atual ritmo. Tal aumento provocaria uma redução catastrófica das chuvas em alguns dos países mais pobres do mundo, enquanto outras nações teriam que lidar com enchentes provocadas pelo derretimento das geleiras. O resultado seria a maior onda de migração humana já registrada: mais de 100 milhões de pessoas.

¿ Se não se investir consideravelmente hoje em cortes efetivos das emissões (de gases do efeito estufa) nos países desenvolvidos, o custo que se terá com a adaptação será extremamente alto ¿ afirma Karen Suassuna, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil. ¿ E isso será muito mais difícil para os países em desenvolvimento, como o Brasil, que não têm tantos recursos para investir em adaptação às mudanças.

O relatório de Stern aponta que, com cortes efetivos dos gases oriundos sobretudo da queima de combustível fóssil para a geração de energia, essa retração da economia mundial poderia ser 20 vezes menor. Cientistas também debatem o desenvolvimento para reduzir o impacto das emissões e até mesmo formas de diminuir o calor. Mas o fato é que, a despeito de toda a discussão mundial em torno do tema e da assinatura do Acordo de Kioto, as emissões voltaram a aumentar nos últimos três anos depois de uma queda registrada nos anos 90.

Estudo apresentado ontem pela Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas indica que as emissões se reduziram em 3,3% de 1990 até 2004. Porém, cresceram ininterruptamente de 2000 a 2004, quando alcançaram o volume de 17,9 bilhões de toneladas, cravando um aumento de 4% no período. Os Estados Unidos, que não assinaram o Acordo de Kioto, foram responsáveis por 39,4% do total de emissões registradas em 2004.

Um bilhão de pessoas sem água potável

Nesse ritmo, até o fim do século, o aumento da temperatura média da Terra será de cinco graus Celsius. Com isso, aponta o Relatório Stern, se perderá um terço dos cultivos da África e cairá consideravelmente a fertilidade de grandes extensões agrícolas de outras áreas do planeta. Segundo o relatório, o nível do mar aumentará de tal forma que boa parte de países como Bangladesh, Vietnã e os localizados na costa andina da América do Sul poderá submergir. Mais de um bilhão de pessoas ficarão sem água potável, a Floresta Amazônica poderia desaparecer e o percentual de extinções de espécies chegará a 40%. Para quem acha o quadro exagerado, Stern lembra que cinco graus Celsius são o que separa a média de temperatura do planeta hoje daquela registrada na última Idade do Gelo.

As alterações de temperatura podem afetar também consideravelmente a saúde da população, como alertou ontem a diretora de Saúde Pública da Organização Mundial de Saúde (OMS), Maria Neira. Segundo ela, as alterações climáticas interferirão na distribuição de algumas doenças tropicais, como a malária, que passaria a ocorrer em áreas mais extensas. A OMS calcula que as diarréias infantis ¿ uma das maiores causas mundiais de mortalidade de crianças ¿ aumentariam em até 10% em razão do maior número de enchentes e da escassez de água potável.

A falta de chuvas em algumas regiões pode aumentar os índices de poluição com impacto considerável no número de casos de doenças pulmonares. Novamente, o maior problema seria para os países em desenvolvimento, que teriam menos recursos para enfrentar os problemas. Os relatórios estão sendo divulgados em meio aos preparativos dos países para uma nova rodada de negociações das Nações Unidas sobre clima em Nairóbi, no Quênia, no início de novembro.