Título: O chamado
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 01/11/2006, O GLOBO, p. 2

A ferocidade da disputa eleitoral, principalmente no segundo turno, suscitou sempre a pergunta sobre o que teríamos depois, fosse quem fosse o vencedor: distensão ou acirramento da luta política. O tamanho da vitória do presidente Lula conteve os impulsos para questionar juridicamente sua reeleição. No pronunciamento de ontem, ele propôs um passo a mais, uma pactuação que nossos partidos, a começar do PT quando era oposição, nunca foram capazes de dar.

Dizendo estar ¿estendendo mais uma vez as mãos¿ e fazendo um ¿chamado maduro e sincero¿, Lula pediu o esforço de todas as forças políticas por um entendimento nacional em torno de uma agenda comum. Em torno das políticas de Estado, aquelas que interessam ao país, não a seu governo, citando pontos da agenda legislativa encalhada no Congresso, como a emenda do Fundeb, a Lei da Microempresa, a reforma política e a tributária. Lembrou, é claro, ter obtido plena legitimidade para governar, ter o apoio da maioria dos governadores e uma base sólida no Congresso. Essa ainda está em construção, mas ele tem um alicerce. Admitiu ter aprendido, pela experiência, que algumas questões só avançam quando contam com o empenho de amplos setores. A prática tem mesmo demonstrado isso, e não é de hoje. Já no governo passado, com o PT fazendo cerrada oposição, Fernando Henrique, que tinha maioria sólida, não conseguiu aprovar tudo o que desejava.

Que dirá a oposição? Muitas e dissonantes vozes estão falando por ela. Ainda antes da fala de Lula, o governador eleito de São Paulo, José Serra, afirmou que o PSDB fará uma oposição firme, ¿porque somos diferentes¿, mas que saberá estabelecer a diferença ¿entre os interesses de um partido e os interesses do Estado¿. ¿Não somos adeptos do quanto pior, melhor¿. Ainda antes, o governador de Minas, Aécio Neves, afirmara:

¿ Nós não seremos alheios às necessidades do país. A oposição pode ser construtiva em determinadas questões. Se o presidente da República demonstrar ¿ e a sinalização será dada pela forma como montará o governo ¿ compromisso real com uma agenda de reformas de interesse nacional, não vejo por que não nos sentarmos na mesa para discutir.

O presidente do PSDB, Tasso Jereissati, e o líder Arthur Virgílio têm se pronunciado na mesma linha. Já o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, avisou que o PFL não atravessará a rua para conversar. ¿O Congresso será nossa trincheira. O governo poderá conversar sobre os projetos através de seus líderes¿. Fernando Henrique, que vem se pronunciando um tom acima dos demais tucanos, também se recusou antecipadamente a ¿tomar cafezinho¿ com Lula.

Através dos líderes, apenas, sabemos que não se vai longe. Um entendimento não pode ser uma cooptação da oposição e, para merecer este nome, deve ser transparente, marcado por gestos e ritos legitimadores. A reunião de todos os governadores eleitos com Lula pode ser o primeiro passo. Eles terão força sobre suas bancadas, pelo menos agora, quando, como Lula, têm elevado capital político. Mas não temos uma tradição de negociação entre forças antagônicas, a não ser em momentos extremos, como foi na transição com Tancredo. Depois dela, falou-se muito em pacto, invocou-se muito a experiência espanhola que, como diz um de seus artífices, o deputado Alfonso Guerra (vice primeiro-ministro de Felipe González), vem garantindo ao país ¿os melhores 30 anos dos últimos 300 anos¿. Mas Lula tem uma chance, se fizer gestos, além de discursos, de levar à sua mesa não toda, mas uma parte da oposição. A remoção do entulho também ajuda: ele prometeu empenho pela conclusão das investigações de todas as denúncias de corrupção. Se a PF andar com isso, em vez de intimidar jornalistas, estará ajudando.