Título: Petistas cobram do governo programa de esquerda
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 01/11/2006, O País, p. 9

Sem ser esperado, Berzoini comparece à reunião e diz que não deixa a presidência, mas continua licenciado

BRASÍLIA. Passados apenas dois dias da eleição, ainda sob o calor da disputa nas urnas, a executiva nacional do PT se reuniu ontem para começar, de fato, a guerra interna entre as correntes pelo comando do partido. Na reunião de mais de três horas presidida pelo presidente interino Marco Aurélio Garcia, no comitê de reeleição do presidente Lula, a atual cúpula petista traçou um calendário para a escolha do sucessor definitivo do presidente licenciado, Ricardo Berzoini (PT-SP). Elaborou ainda uma resolução para reafirmar a retomada da linha de esquerda que marcou o segundo turno da campanha presidencial.

Garcia disse que neste segundo mandato o PT irá se mobilizar mais para cobrar que o governo cumpra o seu programa.

Executiva frisa importância de movimentos sociais

¿Fizemos uma campanha de esquerda, sintonizada com nossa militância e com nossa tradição de combatividade¿, afirma a resolução, que destaca a importância dos movimentos sociais, a militância e os movimentos do campo e da cidade que saíram em defesa da reeleição do presidente Lula.

Sobre a maior participação da base do PT no governo e no comando do partido, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse que a batuta é do presidente Lula, mas afirmou que a nova composição do governo deve levar em consideração a força do partido no segundo turno.

¿ Foi com esse PT, ligado aos movimentos sociais, que Lula venceu as eleições. A ação negativa de alguns petistas poderia ter levado a sua derrota. O PT de base foi mais forte e é ele que deve dar o rumo do novo PT, não os caciques que deram as cartas até agora. Em geral esses caciques estão em São Paulo ¿ disse Rosário, segunda-vice presidente do PT, da corrente Movimento PT.

Com a presença inesperada de Berzoini ¿ não incluído na relação inicial dos participantes divulgada pela assessoria ¿ ficou decidido que Garcia continuará no cargo por tempo indeterminado. Em novembro, haverá reunião do diretório nacional, que antecipará o congresso do partido para abril ou maio de 2007. Caberá a esse congresso revisar o estatuto para estabelecer as regras de escolha do sucessor de Berzoini, que não deverá mais reassumir o cargo.

Na reunião de ontem, Berzoini disse que não renunciará, que foi eleito e afirmou que pretende continuar licenciado até o fim das investigações sobre sua participação na frustrada compra do dossiê contra os tucanos.

Os paulistas da direção nacional do PT continuam reagindo às propostas, defendidas principalmente pelos governadores eleitos, de que haja uma refundação da legenda, levando-se em consideração a nova correlação de forças vindas das urnas nas regiões Norte e Nordeste. O terceiro vice-presidente Jilmar Tatto, deputado eleito ligado ao grupo da ex-prefeita Marta Suplicy, presente à reunião da executiva em Brasília, rebateu a tese da despaulistização. Disse que os defensores dessa tese não podem deixar de levar em consideração o fato histórico de que o PT nasceu em São Paulo, e que o presidente Lula é de São Paulo.

¿ O que a gente tem que discutir é como incorporar ao comando outros estados. Os governadores Jaques Wagner (Bahia) e Marcelo Déda (Sergipe) poderiam inclusive disputar a presidência do partido. Mas dirigir o PT não é tarefa fácil. Se estão querendo enfraquecer os paulistas, não tem problema, a gente deixa eles governarem o PT . Podem ser inclusive presidente ¿ disse Tatto.

Déda: ¿Não basta autocrítica. Isso não basta¿

Déda disse que não basta fazer autocrítica sobre os erros cometidos por segmentos do PT . Segundo ele, é preciso mudar:

¿ Não é um movimento mesquinho por poder. O slogan não é o fim da paulistização ou anti-São Paulo, é a favor da nacionalização do partido, levando em conta que é preciso construir uma agenda de mudança efetiva. Não adianta o partido só se reunir, fazer uma autocrítica e dizer que está tudo bem. Isso não basta! ¿ disse.

A reunião da executiva nacional do PT foi realizada no comitê central de reeleição do presidente Lula, no Edifício Toufic, em Brasília. As instalações da sede do PT em Brasília ficam em outro prédio no mesmo setor comercial. No comitê, entretanto, os membros da executiva, Berzoini e o secretário de comunicação, Humberto Costa, puderam entrar pela garagem privativa, sem serem abordados pelos jornalistas. O comitê foi fechado ontem.