Título: Revista diz que PF ameaçou jornalistas; PF nega
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Fonte: O Globo, 01/11/2006, O País, p. 14

Intimados a depor na investigação da operação para blindar Freud, repórteres teriam sido tratados como suspeitos

SÃO PAULO, BRASÍLIA e SALVADOR. A revista ¿Veja¿ disse ontem que três de seus jornalistas foram submetidos a ¿abusos, constrangimentos e ameaças¿ pelo delegado Moysés Eduardo Ferreira, da Polícia Federal em São Paulo. Segundo o redator-chefe da revista, Mário Sabino, os jornalistas foram intimados, na condição de testemunhas, a depor numa investigação interna da Corregedoria da PF sobre o suposto envolvimento de policiais no que a revista chamou de ¿operação abafa¿ do governo para afastar Freud Godoy, ex-assessor especial do presidente Lula, da tentativa de compra do dossiê contra políticos tucanos.

Segundo a revista, os jornalistas Júlia Duailibi, Marcelo Carneiro e Camila Pereira acabaram sendo inquiridos ¿não na qualidade de testemunhas, mas de suspeitos¿. Embora não tenha havido violência física, a revista diz as perguntas feitas pelo delegado deixaram nos repórteres a impressão de que a própria revista era ¿o objeto da investigação policial¿.

¿O relato dos repórteres e da advogada que os acompanhou deixa claro, no entanto, que foram cometidos abusos, constrangimentos e ameaças em um claro e inaceitável ataque à liberdade de expressão garantida na Constituição¿, afirmou a revista, em nota.

Delegado teria acusado a revista de ¿fabricar notícias¿

Sabino disse ainda que o delegado indagou à jornalista Júlia Duailibi sobre os motivos pelos quais ela teria escrito ¿essa falácia¿, referindo-se à reportagem que descreve um encontro entre Freud e o petista Gedimar Passos, preso com o dinheiro que seria usado na compra do dossiê, nas dependências da PF em São Paulo. O delegado também teria acusado a revista de ¿fabricar notícias contra a PF¿.

Segundo o redator-chefe de ¿Veja¿, o delegado chegou a mandar a advogada Ana Dutra, que acompanhava Júlia, ¿calar a boca¿, para impedir que ela se comunicasse com a repórter. Ana Dutra também não obteve cópia do depoimento: o delegado alegou que o processo corre sob sigilo de Justiça. O delegado, de acordo com Sabino, perguntou ¿quanto a revista pagou pelas informações¿ publicadas.

Em Salvador, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que conversou com o redator-chefe da ¿Veja¿ e que o delegado nega qualquer abuso.

¿ Se houve excesso da Polícia Federal, nós lamentamos profundamente e vamos apurar. Ainda bem que nós temos liberdade de imprensa no Brasil ¿ disse o ministro.

Segundo ele, a audiência com os jornalistas teve a presença de uma representante do Ministério Público Federal, a procuradora Elizabeth Kobayashi. Bastos disse que, se a ¿Veja¿ fizer reclamação formal sobre a conduta do delegado, vai pedir que seja aberta uma investigação.

O ministro recebeu um telefonema do presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), cobrando explicações. À noite, a direção da PF divulgou nota em que põe em dúvida a versão da revista. Segundo a nota, os repórteres foram interrogados por Ferreira e pela procuradora da República diante de dois escrivães e da advogada Ana Dutra.

¿Em nenhum momento os repórteres, ou sua advogada, manifestaram às referidas autoridades a contrariedade ou discordância com a condução do depoimento, causando surpresa a este órgão a conotação de suposta arbitrariedade que vem sendo dada ao procedimento em questão¿, diz a nota da PF, afirmando ainda que aguarda ¿manifestação formal dos jornalistas¿ para apurar o caso.

Em documento encaminhado ao delegado-chefe da PF de São Paulo, Severino Alexandre de Andrade Melo, Ferreira nega que tenha tratado os jornalistas ¿com grosseria¿ durante o depoimento. ¿Esta autoridade tem a informar que os três repórteres ouvidos nesta manhã foram tratados com toda a cortesia e urbanidade possíveis, sendo indagados somente sobre suas participações na reportagem da revista¿, escreveu o delegado.

Ferreira afirma que chegou a indagar aos depoentes, após receber um telefonema de superiores, se havia ocorrido ¿algo estranho¿, e relata: ¿As mesmas responderam que não, e que todo o trabalho estava transcorrendo dentro da normalidade¿.

Depois que Tasso ligou para Bastos protestando contra o interrogatório, o ministro ligou para Sabino dizendo que a revista não estava sendo investigada pela PF.

¿ Segure seus aloprados ¿ disse Sabino ao ministro, chegando a dizer ao ministro que a PF estava agindo como polícia política. Procurada pelo GLOBO, a procuradora Elizabeth Kobayashi disse que estava em reunião e não poderia atender a reportagem.