Título: OPOSIÇÃO À DITADURA E À TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Autor: Vera Gonçalves Araújo
Fonte: O Globo, 01/11/2006, O País, p. 15

Dom Cláudio apoiou movimento sociais nos anos 70, e depois alinhou-se ao pensamento conservador

SÃO PAULO. Dom Cláudio Hummes, de 72 anos, foi voz incansável contra a ditadura. Mas, diferentemente dos padres-militantes da época, não seguiu a Teologia da Libertação, da qual um dos criadores foi o frei Leonardo Boff. Abandonou as passeatas dos anos 70 e se alinhou ao pensamento católico mais conservador . Acompanhou o então Papa João Paulo II, para quem os movimentos sociais estavam divorciados da religião.

Querido por João Paulo II, foi nomeado cardeal-arcebispo de São Paulo em 2001, posto mais alto do sacerdócio no Brasil. Mas as histórias do país e de dom Cláudio se misturam nos anos 70, quando ele era bispo de Santo André, no ABC Paulista, berço do movimento operário liderado pelo hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Gaúcho de Montenegro e padre desde os 23 anos, dom Cláudio se tornou bispo de Santo André num período de ebulição social. Os operários se juntaram a intelectuais de esquerda na greve de 1979. Dom Cláudio estava na linha de frente contra o regime militar e abrigou Lula, procurado pela polícia, na igreja.

Os líderes dos metalúrgicos tinham de se dividir entre a greve e o esconderijo. Dom Cláudio os abrigava. Também usava as pastorais para contribuir com o fundo de greve do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Coletava alimentos e roupas para as famílias dos grevistas.

Bispo no ABC, escondeu Lula da polícia na igreja

A amizade entre dom Cláudio e Lula permanece, à revelia de posições políticas ou idéias religiosas. Em 1981, o então bispo de Santo André conseguiu um encontro entre o sindicalista Lula e o Papa João Paulo II, que estava no Brasil. Pouco antes de celebrar missa no estádio do Morumbi, o Papa conversou com Lula e sua mulher, Marisa. Eles esperaram duas horas, sob chuva, pelo encontro. Lula falou ao Papa das dificuldades dos trabalhadores na ditadura militar. Dom Cláudio acompanhou o encontro à distância.

Aos 48 anos de sacerdócio, o novo posto de dom Cláudio celebra sua relação estreita com o Vaticano. O brasileiro integra diversas congregações da Cúria Romana, e continua atuando na Arquidiocese de São Paulo. Chegou a ser cotado para substituir o Papa João Paulo II.

Dom Cláudio Hummes se posiciona contra a politização da liturgia e as interpretações livres do Evangelho. Condena métodos contraceptivos, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o aborto. Traz da atuação do Papa a idéia do diálogo com as religiões em nome da paz, como João Paulo fez viajando pelo mundo todo.

Ordenado padre da Ordem dos Franciscanos em 1958, em Divinópolis, Minas Gerais, dom Cláudio, durante 21 anos de trabalho em Santo André, construiu 80 paróquias, organizou 50 centros comunitários, fundou dois seminários e uma faculdade de teologia. Em 1996, foi nomeado arcebispo de Fortaleza. Em 98, assumiu a Arquidiocese de São Paulo e substituiu o progressista dom Paulo Evaristo Arns. Em 2001, foi nomeado cardeal-arcebispo, ocupando o principal posto hierárquico do Brasil e o segundo na linha hierárquica do Vaticano. Acima do cardeal, só o Papa.

Dom Cláudio fez especialização em ecumenismo no Institut Oecuménique de Bossey em Genebra, na Suíça. É doutor em filosofia em Roma e chanceler da PUC paulista.