Título: Que nos seminários haja seleção rigorosa¿
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 01/11/2006, O País, p. 16

Dom Cláudio Hummes diz que denúncias sobre escândalos envolvendo padres devem ser apuradas pela Santa Sé

SÃO PAULO. Escolhido pelo Papa Bento XVI para ser prefeito da Congregação para o Clero, o cardeal Cláudio Hummes deixou ontem de ser o arcebispo de São Paulo. Ainda sem planos para a nova função, a terceira mais importante do Vaticano, ele recebeu o convite por intermédio do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Bertoni. Dom Cláudio será um gerente de recursos humanos para cuidar de todos os padres do mundo. Entre os espinhos que enfrentará estão casos de pedofilia e homossexualismo que abalam a Igreja. Dom Cláudio disse que sente o peso da responsabilidade, mas espera representar bem a Igreja brasileira na Santa Sé com a alegria, como diz, de estar junto ao Papa.

Como senhor recebeu o convite do Papa Bento XVI para ser o prefeito da Congregação para o Clero?

DOM CLÁUDIO HUMMES: Para mim é uma surpresa muito grande. Sinto o peso da responsabilidade mas, ao mesmo tempo, a alegria de poder trabalhar junto ao Papa. E para mim a voz do Papa é a voz de Deus. De forma que eu só posso dizer que sim. Apesar de reconhecer meus limites, a começar pela idade. Tenho 72 anos e aos 75 normalmente cessam esses encargos.

Como o senhor enfrentará problemas como pedofilia e homossexualismo?

DOM CLÁUDIO: O Papa tem dado orientação sobre isso. Em primeiro lugar, que nos seminários haja uma seleção mais rigorosa, uma formação mais exigente para os futuros padres para que tenhamos a certeza moral de que vão ter condições de viver o celibato como a Igreja pede que vivam. Se houver denúncias, devem ser encaminhadas à Santa Sé.

O senhor então já está pronto para ir para Roma?

DOM CLÁUDIO: Já. Mas ainda não sei quando. Acredito que seja ao redor de um mês. A partir de hoje não sou mais arcebispo. Sou agora administrador apostólico da Arquidiocese de São Paulo até que venha o novo arcebispo.

E sobre o futuro arcebispo?

DOM CLÁUDIO: Ele deve ser plenamente livre, autônomo. Não quero interferir e nem devo. Ele deve ser criativo. Sempre digo: será um novo tempo. Como eu, quando cheguei aqui, quis fazer o meu tempo.

Quais os critérios decisivos para a decisão do Papa?

DOM CLÁUDIO: O futuro arcebispo tem que ser ele mesmo. O povo tem que aguardar.

Como é sua relação com o Papa Bento XVI?

DOM CLÁUDIO: Conheço o Papa como cardeal, no tempo em que ele era o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Tive muito bom relacionamento. Ele, como personalidade, é um homem muito inteligente, muito sábio, muito fino, afável e bondoso. O mundo tinha feito dele uma caricatura pelo fato de que ele tinha que cuidar da doutrina e da fé. De vez em quando, ele tinha que dizer: ¿Olhem, isso aqui não está dentro da fé¿. Aí o mundo criou uma imagem que não é a dele.

O cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, combateu a Teologia da Libertação, que o senhor chegou a defender.

DOM CLÁUDIO: Não discordamos tanto sobre isso. O que deu o desacordo foi o fato de que, na Teologia da Libertação, alguns teólogos estavam usando a análise marxista como análise da realidade, como se a análise marxista fosse científica. João Paulo II chamou a atenção para isso, claro que o cardeal Ratzinger também devia fazê-lo. E eu também. A análise marxista é uma análise muito mais ideológica do que científica.

Por que o número de católicos tem diminuído no Brasil?

DOM CLÁUDIO: Isso já foi muito analisado. Não conseguimos evangelizar todos os nossos batizados. Evangelização no sentido de a pessoa ter um relacionamento pessoal com Jesus Cristo. E entrou também com o tempo o pluralismo, através da cidade, da nova cultura urbana, pós-moderna. Esse pluralismo todo fez com que muitos dos que tinham a fé católica mais tradicional do que de fato pessoal, ficassem meio perdidos, confusos. Muitos se afastaram, nunca praticaram, nem participaram, apesar de batizados. Isso porque nós não os evangelizamos. Em segundo lugar vem a pobreza. O povo é muito pobre e não tem saúde, não tem escola, não tem casa, não tem comida. Busca soluções para os seus problemas.

A Igreja deve se voltar mais para os pobres?

DOM CLÁUDIO: Também. Mas também para todas as pessoas. Uma Igreja que não apenas espere na paróquia que o povo venha, com as portas abertas, acolhimento. Não, não basta apenas isso. É preciso sair e ir em busca das pessoas.

O que a Igreja Católica deve fazer para deixar de perder seus fiéis?

DOM CLÁUDIO: Devemos evangelizar mais, ir às pessoas, às periferias pobres, de casa em casa. As pessoas têm que sentir o calor da nossa igreja, da igreja na qual foram batizadas. Têm que sentir que os amamos e que vamos fazer todo o possível para que possam sair da pobreza. Mas não fazemos milagres. O Papa fala disso para o mundo inteiro.

O Papa Bento XVI deu os primeiros sinais de intolerância a casos de pedofilia na Igreja em maio, ao aprovar a punição do padre mexicano Marcial Maciel Degollado, de 86 anos, fundador dos Legionários de Cristo, acusado de abuso sexual de seminaristas nos anos 50. Alvo de inquérito da Congregação para a Doutrina da Fé, chefiada durante 25 anos pelo cardeal Joseph Ratzinger, hoje Pontífice, padre Maciel foi condenado a ¿uma vida recatada de orações e de penitência¿.

Para especialistas o episódio indica mudança de atitude do Vaticano diante de denúncias a sacerdotes, bispos e até cardeais. Até então, o silêncio era a principal reação. Em 2002, o alto número de casos de religiosos acusados de abuso de crianças ¿ a maioria nos EUA ¿ levou o arcebispo Tarcisio Bertone, secretário da Doutrina da Fé, a declarar à CNN que a Igreja se preocupava com os escândalos.

Responsável na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pelo acompanhamento dos sacerdotes, o arcebispo de Maringá (PR), dom Anuar Battisti, admitiu haver casos de má conduta sexual da parte de padres brasileiros, em entrevista ao GLOBO ano passado. Mas disse que há exageros na divulgação do número de casos de pedofilia.