Título: CAOS AÉREO CHEGA AO CONGRESSO
Autor: Flávia Barbosa, Patricia Duarte e Henrique Gomes B
Fonte: O Globo, 01/11/2006, Economia, p. 27

Governo adota medidas para reduzir atrasos em aeroportos, mas setor prevê crise longa

No dia em que o caos nos aeroportos do país paralisou os trabalhos no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião de emergência e o governo anunciou, por meio do ministro da Defesa, Waldir Pires, quatro medidas emergenciais. Entre as mais importantes está o remanejamento de rotas, para que aviões sem escala em Brasília não entrem no espaço aéreo da capital, o que desafogaria o controle de tráfego operado no Distrito Federal. Isso deverá tornar alguns vôos mais longos. Haverá ainda convocação imediata de concurso para a contratação de profissionais.

No Congresso, dois importantes eventos foram cancelados devido à retenção de parlamentares nos aeroportos, que aguardaram até quatro horas. A primeira vítima foi a audiência pública com o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. A segunda foi o depoimento, à CPI dos Sanguessugas, de Gedimar Passos, Valdebran Padilha e Jorge Lorenzetti, implicados no escândalo da compra de dossiê por petistas.

Além disso, não houve quórum para deliberar sobre qualquer matéria no plenário, e mesmo as negociações entre governo e base foram prejudicadas. O atraso nos vôos também atrapalhou o trabalho de várias comissões nas duas Casas, entre as quais a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) ¿ pela qual todos os projetos que vão ao Congresso passam antes de seguir para análises setoriais.

Mas quem sofreu mesmo foram Meirelles e a diretoria do BC, que ficaram mais de uma hora sob impasse até que a audiência fosse cancelada. O encontro, marcado para às 10h, foi postergado para às 11h30. Depois, foi adiado para dezembro.

Plano cria corredores aéreos

O caos foi provocado por uma operação-padrão dos controladores de vôo do Cindacta I, em Brasília, que controla o Sudeste e parte do Centro-Oeste, desencadeada há duas semanas. Apesar da iniciativa do governo, Pires não garantiu que não haverá problemas durante o feriado de Finados. Pior: diretores do sindicato dos controladores de vôo previram que os problemas devem continuar até o Natal e podem se estender durante as férias de janeiro.

O plano emergencial estabelece corredores aéreos especiais para a ponte-aérea entre as cidades de Rio, Belo Horizonte e São Paulo, onde o fluxo de aeronaves é muito grande. Também serão criadas rotas pelo oceano para os vôos saindo do Nordeste com destino ao Sul e Centro-Sul do país.

Segundo o assessor-chefe do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), coronel Paulo Esteves, as aeronaves que cruzam o país têm autonomia maior de vôo, e mais combustível, o que possibilita a criação de uma faixa mais longa. O plano também foi discutido no Rio por representantes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Infraero, Decea e o sindicato das empresas aéreas (Snea). Eles estabeleceram as novas faixas aéreas, que já estão em vigor.

¿ Os vôos entre Nordeste e Sul, por exemplo, ficarão mais longos. Para ajudar, as companhias aéreas cederam 11 representantes técnicos que ajudarão os controladores de vôos no Centro de Coordenação de Navegação Aérea, no Decea. Esse é um plano emergencial de curto prazo ¿ disse Esteves.

Já o brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero ¿ estatal que controla os aeroportos do país ¿ também se disse preocupado com o movimento durante o feriadão. Ele afirmou que espera que seu próprio vôo, que sairá de Brasília, atrase na quinta-feira. Pereira afirmou ainda que, no início da tarde de ontem, 11 aeroportos brasileiros enfrentavam problemas: Brasília, Congonhas (SP), Confins (Belo Horizonte), Vitória, Guarulhos, Recife, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, Cuiabá e Goiânia.

Segundo o coronel Esteves, os técnicos passarão por um curso de treinamento que pode levar entre 24 horas e 48 horas. Eles serão responsáveis em dar suporte aos controladores como acompanhar as rotas das aeronaves em corredores mais engarrafados. Em caso de faixa cheia, os técnicos entrarão em contato com a sua própria companhia, pedindo alteração da rota.

¿ Os vôos com maior número de escalas, por exemplo, serão privilegiados porque envolvem um maior número de aeroportos. Esses profissionais serão divididos em subgrupos. Cada um ficará responsável por rotas específicas dentro da área do I Cindacta ¿ disse Esteves.

Também será mantida a proibição para jatos executivos voarem nos momentos de maior demanda nos aeroportos afetados pela crise. A proibição vai vigorar até 28 de novembro, em dois períodos: das 7h30 às 12h e das 17h às 20h, em cinco localidades, que englobam Brasília e regiões diversas do interior dos estados de Minas Gerais e São Paulo.

A proibição, contudo, não é absoluta: alguns casos emergenciais, como ambulância, transporte de órgãos para doação e atividades de segurança serão permitidas, mas precisam de autorização prévia. O governo também decidiu que será dada prioridade de decolagem, na hora de determinar um represamento de aeronaves devido a engarrafamento do tráfego, aos vôos com mais passageiros nos aeroportos brasileiros.

Ainda serão contratados 64 profissionais, retomando o concurso de julho, que havia sido cancelado, e 148 profissionais em uma segunda etapa. O ministro disse também que será mantido o programa de convocação dos controladores aéreos aposentados, embora não tenha sabido precisar quantos poderão voltar à atividade nesta fase emergencial.

Plano não agrada a controladores

Apesar das providências, o ministro da Defesa ¿ que se reuniu com o presidente Lula, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos da Silva Bueno, o presidente da Infraero, José Carlos Pereira, e o presidente da Anac, Milton Zuanazzi ¿ não pôde garantir que os aeroportos voltarão à normalidade já neste feriadão. Pires, inclusive, não descartou a possibilidade da criação de um gabinete de crise nos próximos dias.

¿ Temos informações de que os atrasos nos vôos já estão diminuindo. Estou confiante de que a situação voltará à normalidade ¿ disse.

As medidas anunciadas não foram bem recebidas pela entidade que representa os controladores de vôo. Segundo o diretor técnico do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Vôo (SNTPV), Ernandes Pereira da Silva, as providências divulgadas pelo ministro da Defesa são paliativas.

¿ Devem ser tomadas medidas firmes, mas mesmo soluções radicais só terão efeito no longo prazo. Acredito que estes problemas nos aeroportos vão perdurar até o Natal, e além dele ¿ afirmou.

Ernandes também não acha eficiente a proposta de se convocar os controladores de vôo aposentados ou de remanejar profissionais de outras localidades para as regiões mais afetadas.

¿ Estes profissionais precisam se adequar à realidade de cada aeroporto, em treinamentos que duram de 40 a 60 horas ¿ disse.

COLABORARAM Bruno Rosa e Erica Ribeiro