Título: CENÁRIO É DESFAVORÁVEL, DIZ BLIX
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 01/11/2006, O Mundo, p. 34

Para ex-diretor da AIEA, China terá papel decisivo nas negociações

Para o presidente da Comissão de Armas de Destruição em Massa e ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Hans Blix, cabe à China o principal papel na negociação com a Coréia do Norte. Segundo ele, apesar da nova disposição do governo norte-coreano de sentar à mesa para discutir seu programa nuclear, o cenário articulado pelas grandes potências para o desarmamento, tanto de Pyongyang como de Teerã, não são favoráveis.

¿ A China terá papel decisivo nessas negociações. A influência dos EUA e da Europa sobre a Coréia do Norte é limitada. O governo norte-coreano usa seus recursos nucleares como uma tentativa de sobrevivência do regime e a China é quem melhor pode garantir essa sobrevivência. Já para os EUA e a Europa a principal questão é impedir a transferência de armas e de tecnologia nuclear para outros Estados e organizações. O clima não é favorável. Não foi criado um ambiente bom para as negociações, nem com a Coréia do Norte nem com o Irã ¿ disse ele ao GLOBO após participar de uma mesa-redonda no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ontem, no Rio.

Blix ressaltou que as contradições do sistema internacional impostas pelas potências, ¿que insistem em exigir o desarmamento sem se desarmarem¿, e o fato de Washington dizer que todas as possibilidades de atuação nos dois países estão na mesa dificultam ações realmente positivas e aumentam a insegurança.

¿ O Japão, diretamente envolvido nessas questões, também terá um papel importante e o seu compromisso de não construir armas atômicas vai ser de grande importância para a estabilidade da região ¿ acrescentou .

Blix afirmou que o mundo hoje vive uma nova corrida armamentista e que o problema só será resolvido se houver um consenso sobre a necessidade de desarmamento global:

¿ E os EUA são o principal ator neste consenso. As decisões de Washington são cruciais para esse processo. Mas os EUA não estão interessados no desarmamento. Ao contrário, pensam em investir bilhões de dólares num projeto espacial de defesa. Isso move a economia americana, gera empregos, mas é preciso refletir sobre a que custo, quantas vidas pagarão por isso.

Para qualquer negociação bem-sucedida de desarmamento, Blix diz que é essencial que sejam feitos acordos eficazes para a promoção de inspeções internacionais.

¿ Não estou me referindo a inspeções cosméticas, como as que têm sido feitas, mas a inspeções realmente efetivas, que recolham informações precisas. Não adianta ir à Coréia do Norte ou ao Irã e fazer um trabalho superficial, que não forneça dados conclusivos. Para fazer isso é necessária liberdade de ação dos inspetores. É somente dessa forma que os governos poderão ter informações confiáveis para poderem atuar no campo diplomático. O respeito às inspeções internacionais é um dos temas fundamentais em qualquer negociação sobre programas nucleares ¿ disse ele.

Atuação forte de Brasil, Japão e Alemanha

O presidente da Comissão de Armas de Destruição em Massa disse ainda que acredita que países considerados ¿potências não-armamentistas¿, como Brasil, Alemanha e Japão, podem exercer um papel fundamental nas negociações para o desarmamento mundial.

¿ São países de lutam por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e que podem fazer muita diferença nas negociações pelo desarmamento, principalmente por não serem potências bélicas. O mundo mudou muito após a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. A formação atual do conselho não reflete mais a realidade internacional. As potências bélicas, por se recusarem a se desarmarem, não favorecem esse tipo de negociação e só aumentam as contradições. Já Brasil, Alemanha e Japão podem ganhar uma importância significativa neste trabalho e influenciarem na implementação de grandes mudanças ¿ afirmou.