Título: Mistério dos juros
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 04/11/2006, Economia, p. 28

Há uma contradição hoje entre política monetária e política fiscal. E essa contradição é um obstáculo à queda da taxa de juros. Se o Banco Central olhar apenas para os dados de inflação, os juros podem continuar caindo, e certamente cairão na próxima reunião. Se a dúvida for até que ponto as taxas poderão cair no Brasil, a política fiscal será um constrangimento para quedas futuras.

Há vários mistérios cercando os juros brasileiros. Por que a queda dos juros não produz efeito no Brasil? Os juros caíram seis pontos percentuais, e a economia ainda não aumentou seu ritmo. Em qualquer lugar do mundo em que houvesse um movimento tão forte de relaxamento monetário, a economia já teria acelerado. Os juros continuam altos, mas não pode ser indiferente ter 19,75% ou 13,75% de juros nominais. Quando os juros sobem ou quando caem, a reação é sempre lenta e retardada no Brasil. Essa é uma das várias diferenças entre a economia brasileira e as outras.

¿ A queda não faz muito efeito; da mesma forma que a alta não tem muita força para segurar a inflação. É preciso uma elevação muito forte para frear a pressão de preços ¿ diz Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Investimentos e ex-diretor do Banco Central.

Ele acha que isso é porque a carga tributária é tão alta que o investidor, mesmo tendo o incentivo da queda dos juros, não tem fôlego para investir. Outra razão, segundo Luiz Fernando Figueiredo, é que a economia brasileira se acostumou a viver com os juros na lua e tomou providências para se defender dessa anomalia pegando dinheiro só no BNDES, que é bem mais barato; ou no exterior, também mais em conta. Quando os juros caem, não há um aumento de procura pelo crédito.

¿ Aqui, se você perguntar para um empresário médio se ele tem dívidas, ele dirá: ¿não, graças a Deus¿; se perguntar nos Estados Unidos, eles dirão que ¿claro, tenho dívidas¿. Aqui, se alguém pergunta a um consumidor quanto ele está pagando de juros, ele não sabe dizer; só quer saber se consegue pagar a prestação ¿ comenta Luiz Fernando.

O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acredita que o fator decisivo é o crédito subsidiado do BNDES, que retira força da política monetária. Esse crédito mais barato é dirigido principalmente às grandes empresas, e são elas que estão garantindo algum crescimento no Brasil.

O país vive com juros altos há tanto tempo que as empresas criaram atalhos para tomar crédito onde possam ou como possam, e o consumidor se tornou insensível aos juros.

Luis Fernando Lopes, do Banco Pátria, diz que, no Brasil, o crescimento médio do PIB nos últimos dez ou vinte anos é muito parecido. Fica em torno de 2,5% a 2,7%, apesar de os juros reais terem sido, no começo do Real, o triplo do que são atualmente. Ele acredita que, neste momento, o câmbio é outro fator que explica a falta de reação da economia a uma queda forte dos juros: o câmbio baixo faz com que as empresas prefiram importar a aumentar a produção.

¿ A importação de bens de consumo duráveis aumentou 40% por causa do câmbio ¿ destaca ele.

Outra dúvida que se tem hoje no país é: até que ponto os juros podem continuar caindo? A maioria dos economistas, quando olha só para o cenário de inflação, diz que os juros podem continuar caindo. Luiz Fernando Figueiredo está convencido de que os juros reais podem chegar a 6% sem risco inflacionário no futuro próximo. Para chegar a 6%, em termos reais, estaria em 9% a 10% em termos nominais, na taxa atual.

O professor Luiz Roberto Cunha lembra que, se prosperar a idéia de se fixar uma meta de juros reais, o resultado pode ser catastrófico:

¿ Chegar a 5% não quer dizer nada, pode ser conseguido, grosso modo, com uma inflação de 7% e juros de 12%. A idéia de meta de juros reais é muito ruim.

Houve momento de juros negativos no Brasil, pois a inflação subia, e não porque estava se criando um ambiente para crescimento.

Para reduzir juros sem risco, é preciso política fiscal sólida. Por atos e palavras, o governo tem deixado claro que o que o presidente Lula entende por ¿política fiscal dura¿ não é exatamente uma política fiscal dura. Os gastos cresceram muito este ano, já se contratou mais aumento de gasto para 2007, e o governo afirma que está mantendo o rigor. Os sinais dados pelos aumentos generosos de salário de funcionários, de repasses para aliados, de aumento do salário mínimo, de contratação de funcionários estão, na verdade, informando o contrário. Se essa expectativa não for revertida, ela pode acabar sendo um freio à queda das taxas de juros.

Durante a campanha, todos os candidatos disseram que reduziriam os juros e, desta forma, poderiam aumentar as despesas. Os juros já caíram bastante, e isso não autoriza o governo a gastar mais. Por quê?

O Brasil continua tendo déficit nominal, apesar do superávit primário, por isso a queda dos juros acaba reduzindo o déficit nominal.

¿ Este ano, os juros médios continuam altos, mas, no ano que vem, se a taxa continuar em queda, os juros médios serão bem baixos, fazendo com que o custo dos juros saia de 8% a 9% do PIB para 3,5%. Isso reduzirá o déficit nominal de 3% ou mais para 2% a 1,5% do PIB. A melhora será sensível ¿ diz Luiz Fernando Figueiredo.

Neste momento, o governo pode reduzir o superávit primário para aumentar os gastos ou manter o superávit primário e reduzir mais rapidamente a relação dívida/PIB. Essa questão deve ser colocada para o governo durante 2007 ou 2008. Será um bom ponto para um novo debate sobre a sempre polêmica, misteriosa e complexa taxa de juros no Brasil.