Título: POBREZA SERVE DE REDUTO A DANIEL ORTEGA
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 04/11/2006, O Mundo, p. 37

Na Nicarágua, segundo país mais pobre do continente, cerca de 80% da população vivem com menos de U$2 por dia

MANÁGUA. Para que o motor da caminhonete de Maximiliano González, de 53 anos, pegue, é sempre necessário um pequeno empurrão. Nada difícil, já que ele tem dez filhos, e, tirando os três mais jovens, todos já podem ajudar na tarefa. Mas com as dezenas de adesivos cor de rosa com a imagem de Daniel Ortega distribuídos pelo veículo e a grande bandeira rubro-negra, símbolo da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), amarrada na porta, ele não tem problemas para achar voluntários para que o minicaminhão pegue no tranco. Ele mora em Santo Domingo, uma das várias favelas de Manágua. O bairro parece ser uma espécie de comitê eleitoral de Ortega.

¿ Ele é o único que pode fazer alguma coisa pelos pobres. Ele é o único que gosta dos pobres ¿ diz Maximiliano.

Bairro pobre lembra a favela da Rocinha

O bairro de Santo Domingo é uma espécie de Rocinha, com a diferença de que não há ladeiras e a presença de uma estrangeiro é uma novidade que preenche as janelas de rostos curiosos. Olhares que rapidamente demonstram uma certa frustração pelo fato de o visitante brasileiro não saber o final de ¿El Clón¿, como a novela de Glória Perez é chamada. Valas negras correm pelo chão, muitas casas são feitas de uma mistura de placas de alumínio, compensado e madeira, e os carros não são muito mais bem conservados que a caminhonete de Maximiliano.

De acordo com o Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD), a Nicarágua ocupa a posição 112 no ranking de países segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Se o fator de análise for apenas econômico, o país é o segundo mais pobre do continente americano, à frente apenas do Haiti. Nada menos que 45,1% dos nicaragüenses vivem com menos de US$1 por dia, e avassaladores 79,9% com menos de US$2: cerca de 4,2 milhões de pessoas. Destes, cerca de 1,5 milhão passam fome. Entre as crianças, 27% estão desnutridas, e 23,3% das pessoas com 15 anos ou mais são analfabetas.

A guerrilha sandinista na década de 1970 e as milícias anti-sandinistas da década de 1980 fizeram com que dezenas de milhares de nicaragüenses fugissem do país, grande parte para os EUA. Mas a pobreza dos anos 90 provocou novas levas de refugiados econômicos. México, Venezuela e, acima de tudo, a vizinha Costa Rica passaram a ser destino. O número deles na Costa Rica é tão grande que o candidato Eduardo Montealegre fez propaganda política no país vizinho e prometeu oferecer transporte aos eleitores, o que é permitido. Outros dois candidatos, José Rizo e Edmundo Jarquín, também fizeram campanha naquele país.

Segundo o Banco Central da Nicarágua, os cerca de 800 mil nicaragüenses que vivem fora de seu país enviam para suas famílias anualmente US$700 milhões, mas outros cálculos afirmam que esta cifra pode chegar a US$1 bilhão, o equivalente a 11% do Produto Interno Bruto. Segundo o Banco Mundial, este número pode ser ainda maior.

Maximiliano González é um bom exemplo. De seus 12 irmãos, três moram no exterior. Entre uma curva e outra de sua caminhonete, ele, que jura ter sido guerrilheiro, mostra orgulhosamente um pedaço de papel. Era uma remessa de US$400 enviada pelo irmão, de Los Angeles. A Nicarágua de Maximiliano, ou seja, sua parte urbana e pobre, está com Daniel Ortega.