Título: EM CURRALINHOS, A SAÚDE FICA A 75 QUILÔMETROS, SEM ASFALTO
Autor: Rogerio Daflon
Fonte: O Globo, 02/11/2006, O País, p. 16

Cidade do Piauí não tem atendimento

CURRALINHOS (PI). A lavradora aposentada Elísia Pereira de Santana, de 87 anos, é diabética e desmaiou em casa no mês passado com hipoglicemia ¿ baixa da taxa de glicose no sangue. Sua filha Maria de Lourdes Dantas Santana, de 57 anos, ficou apavorada porque, no município de Curralinhos, onde mora sua família, não há estabelecimento de saúde. O posto e o hospital mais próximos ficam na capital, Teresina, separada da cidade por 75 quilômetros de estradas sem asfalto.

¿ Aqui em Curralinhos só tinha a ambulância para me levar a Teresina ¿ contou Elísia Pereira de Santana, que é obrigada a medir todos os dias a pressão arterial e o nível de gordura no sangue.

Elísia faz exames diários com auxiliares de enfermagem do Programa Saúde da Família, em uma casa do Conselho Tutelar de Curralinhos, um dos seis municípios brasileiros que não possuem estabelecimento de saúde, segundo a pesquisa do IBGE. Desses seis, quatro são no Piauí: Coivaras, Curralinhos, Lagoa do Piauí e Miguel Alves.

Apesar de ser um município emancipado politicamente há dez anos e com 4.000 habitantes, Curralinhos não tem posto de saúde. Os equipamentos para atendimento médico e odontológico estão jogados nas salas da sede do Conselho Tutelar.

O O médico cubano Pablo de Jesus Hernandez Collazo, há dez anos no Brasil, atende os pacientes às segundas e terças-feiras. Ele é médico de família em outro município do sul do Piauí, a 700 quilômetros de Curralinhos. Hernandez atende em uma sala com um estetoscópio em cima de uma mesa de metal e um ventilador de mesa no chão. Uma das cadeiras de atendimento odontológico está quebrada e fica na sala principal, dividindo um espaço com um bebedouro e uma TV.

¿ Antes da nossa transferência para o Conselho, trabalhávamos em um local cheio de morcegos que caíam na caixa d´água. Era arriscado. Corríamos o risco de contrair raiva e toxoplasmose, doença transmitida por fezes de morcegos e pombos. Aqui a situação não é diferente, não se tem privacidade, não existem condições para o médico trabalhar, e se corre risco por causa da mistura do trabalho de curativo e aplicação de vacinas ¿ diz o médico.

Os medicamentos ficam amontoados em prateleiras em um quarto escuro, a pia é cheia de baldes, e a sala onde são atendidas as pessoas para fazer curativos é a mesma onde são aplicadas vacinas nas crianças.

A Prefeitura de Curralinhos e o governo do Piauí iniciaram a construção de um centro de saúde, orçado em R$149.781, mas as obras foram abandonadas. Quando os habitantes precisam de exames simples, radiografia, de sangue, cirurgias ou atendimento médico para cortes mais profundos e fraturas, a alternativa é viajar para Teresina.

A necessidade de resolver qualquer problema mais grave de saúde em Teresina leva grande parte do dinheiro de Patrícia Oliveira, de 28 anos. Ela vai com os filhos de 11 e de 1 ano ao Conselho Tutelar para consultas simples, como gripe e febre, mas é obrigada a pagar R$18 da passagem de ida e volta a Teresina para qualquer outra coisa.

¿ Tenho com freqüência fortes dores de cabeça. O médico pede exames e o jeito é viajar para a capital. E para as crianças também, qualquer exame tem de ser em Teresina. Todo mundo aqui em Curralinhos vive desse jeito ¿ disse Patrícia.