Título: No segundo turno, o voto contra Ortega se unirá¿
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 02/11/2006, O Mundo, p. 34

MANÁGUA. Francisco Chamorro é um dos mais respeitados jornalistas e intelectuais nicaragüenses. Articulista político, é subdiretor do jornal ¿El Nuevo Diario¿, um dos maiores do país. Para ele, Daniel Ortega jamais teve tantas chances de vencer uma eleição desde 1990 devido à divisão da direita e a polêmicas mudanças na lei eleitoral.

O que é o pacto entre Daniel Ortega e o ex-presidente Arnoldo Alemán?

FRANCISCO CHAMORRO: É uma aliança que ocorreu por interesses econômicos comuns das cúpulas partidárias dos dois principais partidos do país, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) e o Partido Liberal Constitucionalista (PLC). Um dos principais pontos do pacto é a divisão de algumas funções do Estado entre os dois grupos. Por exemplo, a Corte Suprema de Justiça, a Controladoria-Geral da União e o Conselho Superior Eleitoral foram divididos entre membros do PLC e da FSLN. Na Nicarágua, os integrantes destas instituições são escolhidos pelos deputados da Assembléia Nacional, que é controlada pelos dois partidos. Outra mudança foi feita na lei eleitoral. Quem tiver 40% dos votos ganha no primeiro turno, ou quem tiver pelo menos 35%, desde que com cinco pontos percentuais à frente do segundo colocado.

O presidente Enrique Bolaños foi eleito pelo PLC, com apoio do ex-presidente Alemán. Agora Bolaños apóia Eduardo Montealegre, da Aliança Liberal Nicaragüense (ALN), e o PLC tem o candidato José Rizo. O que houve com a direita?

CHAMORRO: No início de seu governo, Bolaños se aproximou da FSLN para afastar Alemán das decisões. Foi nesse momento que Alemán foi condenado a 20 anos por corrupção durante seu governo (1996-2001). O PLC passa a ser oposição. Mas logo o governo dos EUA demonstrou seu desagrado com esta aliança e Bolaños rompeu com a FSLN. O governo perdeu a sustentação política, ficando com apenas nove dos 92 deputados da Assembléia Nacional. O governo, então, passou a tentar formar uma espécie de partido conservador, que agora se chama ALN.

Ortega vai ganhar a eleição?

CHAMORRO: Ele nunca teve tanta chance. A direita está dividida, com os dois candidatos tendo um cerca de 24% e o outro, cerca de 23%. Ou seja, o voto anti-sandinista está dividido. Agora, se ele não ganhar no primeiro turno, certamente perderá no segundo, pois o voto contra Ortega se unirá.

Como seria um governo Ortega?

CHAMORRO: Muito diferente do que foi na década de 1980. Há outros interesses econômicos, não existe mais a União Soviética. Ele se aproximará de governos como o da Venezuela e o de Cuba, mas terá como desafio estratégico se aproximar da China, pois a Nicarágua é um dos poucos países do continente que reconhecem somente o governo de Taiwan. E acredito que ele não mudará radicalmente as remessas bancárias vindas do exterior. (R.G.)