Título: CAMPANHA DE POUCAS PROPOSTAS E MUITOS ATAQUES
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 03/11/2006, O Mundo, p. 25

Candidatos à Presidência da Nicarágua não poupam acusações, ofensas e xingamentos para conquistar votos

MANÁGUA. A profecia foi feita há 38 anos pelo padre Odorico D¿Andrea, que pode ser beatificado pelo Vaticano por ter tido o corpo exumado encontrado intacto depois de 16 anos enterrado na cidade de Jinotega: o demônio ameaçaria a Humanidade, e ele teria bigode, nariz comprido e olhos semicerrados, tendo como diferenças físicas em relação ao candidato sandinista ao governo da Nicarágua, Daniel Ortega, apenas chifres pontiagudos, asas de morcego e tom de pele mais avermelhada. Esta propaganda eleitoral, com direito a ilustração, foi publicada em jornais de Manágua esta semana pelo Partido Liberal constitucionalista (PLC) e é apenas uma amostra do estilo nicaragüense de campanha eleitoral. Propostas eleitorais são exceção num mundo político radicalmente dividido. Ataques, denúncias, falta de consistência nas poucas propostas apresentadas e até mesmo mentiras deslavadas marcaram a campanha eleitoral, que terminou ontem no país.

Ortega prefere fazer campanha menos agressiva

Entre os partidos que se destacam pela força de seus ataques, o PLC, do candidato José Rizo, e a Aliança Liberal Nicaragüense (ALN), de Eduardo Montealegre, se destacam. Não apenas pelos ataques a Ortega, mas pela violenta batalha das duas candidaturas pelo eleitorado de direita. Já Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), preferiu uma campanha messiânica, com discursos religiosos. E o dissidente sandinista Edmundo Jarquín, do Movimento de Renovação Sandinista (MRS), escolheu a autodepreciação para se tornar popular: ¿no dia 5 de novembro, vote no feio (ele próprio)¿. A campanha pegou, até porque é uma informação claramente verdadeira.

¿ A campanha teve tons fortes, enfrentamentos pessoais e até xingamentos entre candidatos. Houve palavras que estiveram acima da necessidade de um processo eleitoral ¿ disse ontem o chefe da missão de observadores da União Européia, Claudio Fava.

A campanha que mais ataques fez foi a de Montealegre. Dissidente do tradicional PLC, controlado pelo ex-presidente e atual presidiário Arnoldo Alemán, ele divide suas investidas contra Ortega e o candidato de seu ex-partido, Rizo. Ele acusa o PLC de ter se aliado à FSLN na Assembléia Nacional e de ambas as legendas terem dividido os poderes do Estado entre si, na aliança conhecida como Pacto. E investe: ¿o que querem é que você vote em Rizo para eleger Ortega.¿

Mas a ALN se esmera mesmo nos ataques ao líder sandinista ¿ ¿um perigo para a nação¿, segundo a campanha da ALN. São mostradas imagens dos tempos do governo Ortega (1979-1990), com fotos de longas filas para a comida racionada, notas de dinheiro hoje inexistentes devido à hiperinflação e de Ortega em trajes militares. Em nenhum momento se fala que o governo sandinista ocorreu em meio a uma guerra civil.

¿ Ou avançamos ou retrocedemos. Podemos avançar para uma vida melhor, com mais e melhores empregos, ou podemos retroceder com o comandante Daniel Ortega, com o risco do serviço militar obrigatório, o controle de tuas remessas (vindas do exterior) e outra vez a inflação galopante ¿ disse Montealegre em sua mensagem final de campanha, sem se importar com o fato de Ortega ter negado a volta do serviço militar obrigatório e o controle de remessas durante a campanha.

Montealegre, um ex-banqueiro acusado de ter beneficiado o próprio banco quando era ministro da Fazenda do governo do atual presidente, Enrique Bolaños, se apresenta como um candidato tecnocrata. Mas em cenas de comícios colocadas na propaganda eleitoral costuma aparecer rebolando até o chão, para delírio do público.

Rizo fez uma campanha em que buscou desacreditar Montealegre, dizendo ser ele o ¿candidato dos grandes poderes econômicos¿. Ele, por sua vez, representaria a única alternativa contra ¿a volta da noite escura¿ ao país.

Ortega, que não deu entrevistas durante a campanha, buscou fugir ao enfrentamento, pregando a reconciliação nacional:

¿ Meus adversário mentem. Eles têm muito ódio, muito rancor.

Sua mulher e chefe de campanha, Rosario Murillo, aparecia em chamadas de TV com roupas coloridas. Ao fundo, flores e imagens de santos.

Porém, há denúncias de que a FSLN desviou milhares de documentos eleitorais em diversas partes do país.