Título: Não há escolha de Sofia¿
Autor: Tereza Cruvinel e Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 04/11/2006, O País, p. 3

Ministra afirma que é possível combinar meta de crescimento e inflação controlada

Sucessora do ex-todo poderoso ministro José Dirceu no Gabinete Civil, Dilma Rousseff tornou-se a gerente do governo Lula no auge da crise de 2005. Diferentemente do antecessor, evita ostentar seu poder, embora os ministros a temam. Evita mostrar intimidade com o presidente, embora ele a ouça e respeite muito. Por sua mesa, passam os mais variados temas: de crise nos aeroportos ao projeto de biodiesel. Mineira por nascimento, gaúcha por adoção, Dilma combina como poucos o perfil técnico com a alma política. Nesta entrevista concedida ao GLOBO na terça-feira, véspera da pausa para o feriado, ela descreve a agenda para o país no segundo mandato do presidente Lula.

Reeleito o presidente, qual será a agenda do segundo mandato?

DILMA ROUSSEFF: A questão básica é o desenvolvimento econômico. Levar o país a crescer a uma taxa sustentável de 5% ao ano. As conquistas do primeiro mandato, inflação baixa, robustez fiscal e redução da fragilidade externa, dão margem de manobra para almejar crescer a 5%.

O governo está rachado sobre a receita do crescimento?

DILMA: A unidade do governo foi demonstrada na campanha. Nossa proposta foi baseada num tripé: desenvolvimento, distribuição de renda e educação de qualidade. Estamos trabalhando nesta direção. Elevamos o crédito consignado, temos exportações em torno de US$135 bilhões e o saldo da balança comercial chegando a US$46 bilhões. Isso confere blindagem diante de flutuações do mercado internacional. O grande desafio do próximo mandato é, preservando os fundamentos macroeconômicos, mantendo a responsabilidade, ser mais eficiente e efetivo no gasto. Vamos apostar na melhoria da gestão e da qualidade do gasto público. Vamos retirar entraves ao investimento em infra-estrutura, sem o que não haverá crescimento. Os marcos regulatórios estão aprovados ou encaminhados.

Os empresários falam em modernizar relações trabalhistas, tema excluído da campanha. Está na agenda?

DILMA: Vamos tratar disso, mas o foco é na desoneração das folhas de salário, com vistas à geração de emprego. O governo não vai trabalhar com mudanças nos direitos trabalhistas. Interessa criar um círculo virtuoso, em que o crescimento do PIB facilite transformações na legislação. É mais fácil fazer ajuste com o PIB crescendo.

O governo está decidido a fixar meta de crescimento, tal como a da inflação?

DILMA: O presidente deseja grande mobilização do país pelo crescimento. O desenvolvimento não é uma questão pura e simplesmente macroeconômica. Envolve toda a sociedade, empresários, trabalhadores, agentes políticos, União, estados e municípios. Desenvolvimento é uma questão política. Quando falamos em meta de 5% é porque achamos que o país tem condições de crescer neste ritmo. Fizemos direitinho o dever de casa.

A meta é consenso no governo?

DILMA: Caminha para ser consensual na sociedade. É uma postura global pelo desenvolvimento do país, como houve contra a inflação. A inflação foi vencida, não aceitaremos a volta dela. Temos margem para crescer. Taxa de juros caindo sistematicamente, todas as variáveis convergindo para uma situação positiva. Precisamos afirmar todos os dias que agora nossa preocupação é com o crescimento.

Esta meta de crescimento não pode resultar em descontrole da inflação?

DILMA: Não acho que tenhamos essa ¿escolha de Sofia¿. Não vamos cair nessa armadilha. Só há crescimento sustentável com controle da inflação. Para nós, é possível almejar meta de crescimento com inflação controlada.

Será preciso uma nova reforma da Previdência?

DILMA: O governo vai tratar do aperfeiçoamento da gestão. Isso está na nossa pauta. Qualquer outra proposta será considerada a posteriori, evitando mexer em direitos adquiridos.

Há críticas aos gastos sociais...

DILMA: Políticas sociais são compromisso pétreo. Vamos manter o Bolsa Família buscando portas de saída, com capacitação e formação de mão-de-obra. Manter o programa de agricultura familiar, o Luz Para Todos, o de construção de cisternas. Têm importância política porque milhões de brasileiros viraram cidadãos e consumidores. Com isso estaremos criando mercado interno de massas.

O governo terá o mesmo tamanho?

DILMA: É preciso ter cuidado com essa crítica. Vivi uma experiência emblemática no Ministério de Minas e Energia. Em determinado momento tratou-se de reduzir o tamanho do Estado no Brasil. Aquele ministério foi desmantelado, perdeu a capacidade de formulação. Veio o racionamento. No setor elétrico, ignorar crise é desconhecer o setor. Sabe por que aconteceu aquilo? Quando lá cheguei, encontrei falta de engenheiro e excesso de motoristas. Uma pasta que cuida de mineração, gás e petróleo, energia elétrica tem que ter equipe. Esse negócio de enxugar governo já levou o país a desastres.

Energia é condição para crescer. Não há risco de nova crise?

DILMA: Não. O planejamento criou mecanismos para o caso de aceleração do crescimento. Nos últimos anos, a contratação de energia tem sido maior que a necessidade. O país hoje tem um colchão. O problema é o futuro. No setor elétrico, como no de estradas, investimentos têm que ter continuidade e planejamento. O caso do gás é emblemático. Temos que acelerar a produção para ter gás suficiente em 2008. Explorar logo reservas descobertas no Espírito Santo e em Santos. O governo vai licitar as hidroelétricas de Madeira e Belo Monte e avaliar todas as fontes de energia. Nos próximos dez anos, teremos grande segmento da economia movimentado por etanol e o biodiesel, além do HBio da Petrobras. No biodiesel, a Petrobras poderá vir a associar-se com a iniciativa privada.

Espera menos tensão no ambiente político?

DILMA: A temperatura política subiu com a disputa eleitoral, mas tende a baixar bastante. O presidente, legitimado por mais de 60% dos eleitores, está chamando ao entendimento em torno de uma agenda do Estado e da nação, não do governo. A reação dos principais representantes da oposição, como os governadores eleitos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), apontam nessa direção. Os que puxam em direção contrária não são majoritários, nem tão representativos.

E o PT, como evitar crises e novos embaraços éticos para o governo?

DILMA: Sofremos e aprendemos. O presidente tem compromisso indelével com o combate à corrupção. Isso exige instituições e procedimentos fortes. Temos a Comissão de Ética da Presidência da República, a Controladoria Geral da União, que fiscaliza não só a administração direta, mas transferências para estados e municípios. Por isso descobriu os sanguessugas e repassou à PF e ao Ministério Público, instituições imprescindíveis. É preciso sinalizar que a impunidade acabou.

Mas os problemas vieram do PT...

DILMA: No PT, alguns transgrediram, mas estas práticas não podem e não voltarão a florescer. Está em curso uma reestruturação interna profunda e esterilizadora. O resultado eleitoral foi bom e deve refletir-se numa direção mais nacional. Foi muito importante a eleição de governadores aliados, como Eduardo Campos, Cid Gomes e Wilma Faria (PSB), Sérgio Cabral (PMDB), no Rio, entre outros.

Como será a parceria no Rio?

DILMA: O presidente teve uma reunião excelente com o governador Cabral. Vamos ter relação estreita, cooperação em projetos de interesse do Estado e do povo do Rio.

Está animada para coordenar o governo por mais quatro anos?

DILMA: Não estarei preparada enquanto o presidente não me convidar para este ou outro cargo. Ele deixou isso claro: ministros são do presidente, não são entidades autônomas.

O Ministério vai mudar muito?

DILMA: Depende dele. A discussão pública sobre nomes de ministros não é boa nem para o especulado.

Ministra deslanchou projetos

BRASÍLIA. Administrar uma estrutura com 33 ministros, 9.111 diretores e 1,96 milhão de servidores ¿ somando os da ativa e os aposentados ¿ que gasta mais de R$18 bilhões apenas em licitações não é tarefa fácil e pode colocar em risco qualquer governo, independentemente de situação política, apoio congressual ou respaldo popular. Para fazer a máquina pública funcionar a contento, a pessoa certamente mais importante após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tem uma estratégia: poucos projetos prioritários, metas e decisões tomadas rapidamente e com vigor.

Há pouco mais de um ano no cargo, Dilma é prática, distante do ¿assembleísmo¿, hábito do PT de discutir, debater e conversar à exaustão antes de decidir algo. Não são poucos os aliados de Lula que creditam à ministra parte do sucesso da reeleição, por ter feito o governo deslanchar, garantindo a execução de projetos traduzidos em votos.

Dilma sabe que tem vantagens e desvantagens para o segundo mandato de Lula, se continuar a ser a gerente do presidente. A vantagem é a reeleição, que elimina traumas e choques das transições de governos. A desvantagem é o excesso de cobrança ¿ tanto da população quanto do presidente, que não cansa de dizer que vai fazer ¿muito mais¿ que no primeiro mandato.

Dilma hoje é muito respeitada no Planalto, temida às vezes. Chegou no cargo para substituir José Dirceu, comandante da eleição do primeiro mandato com ar de primeiro-ministro. Dilma ignorou as dezenas de grupos de trabalho criados por ele e fixou metas. Em vez de tocar 100 ou 200 projetos, dizia: ¿Vamos listar 20 prioritários e trabalhar em cima deles¿. Muitos desses projetos andaram, outros tantos continuam agarrados à burocracia.