Título: PT: depois da briga nas urnas, a guerra interna
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 04/11/2006, O País, p. 8

Nova leva de líderes regionais se une para tirar hegemonia de duas décadas e meia das tendências na direção do partido

SÃO PAULO. Passada a eleição presidencial, o PT atravessará um profundo processo de redistribuição de poder entre as tendências internas. O resultado das urnas fez aflorar uma nova leva de líderes regionais que, unidos, pretendem tirar tanto a influência quanto a própria estrutura física do partido de São Paulo, o berço petista. O impacto mais forte desta mudança nos pólos de poder será na estrutura sustentada há mais de duas décadas e meia em tendências internas. Segundo antigos dirigentes e novos líderes petistas, como o partido passará a girar em torno de lideranças, as correntes perderão espaço.

¿ O PT deve ser um espaço político de decisão para companheiros que têm mandatos, que têm votos. Não um partido de quadros como os antigos partidos de esquerda do século XIX. Deve deixar de ser um partido de tendências para ser um partido de lideranças. Isso vai ter que acontecer. O peso político tem que recair sobre pessoas que têm responsabilidade com a sociedade ¿ apregoa o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel.

Ele é um dos líderes da nova leva que têm expressado claramente o desejo de mudar a estrutura de poder do PT. Outros novos líderes regionais são os governadores eleitos da Bahia, Jaques Wagner, e do Sergipe, Marcelo Déda, o reeleito Wellington Dias, do Piauí, e Jorge Viana, em final de mandato no Acre. A governadora eleita do Pará, Ana Júlia, é de uma dessas tendências, a Democracia Socialista (DS).

Sede do PT pode ir para Brasília

O ministro gaúcho das Relações Institucionais, Tarso Genro, classificou o processo como federalização do partido.

¿ O PT deve federalizar o poder e rever sua cultura política. São Paulo precisa compartilhar o poder e não ser o centro de decisões. São Paulo é o berço histórico, mas o PT cresceu muito ¿ afirmou o ministro.

Tarso é um dos nomes mais citados para presidir o PT, ao lado do ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) e de Jorge Viana. Mas para que o gaúcho assumisse a presidência seria necessário violar o estatuto petista. Apenas filiados que tiveram os nomes inscritos em uma das chapas que disputou o Processo de Eleição Direta (PED) em 2005 podem disputar a presidência agora. Tarso retirou seu nome por discordar da presença de José Dirceu na chapa.

Uma das propostas desse movimento é transferir a sede do partido de São Paulo para Brasília.

¿ A mudança da sede é um simbolismo que conta muito. A sede deve ficar ao lado dos poderes democráticos. O PT tem que se transformar no grande partido da democracia brasileira, abandonando qualquer veleidade conspiratória, qualquer tentação clandestina ¿ disse Pimentel.

De acordo com um cardeal petista, que preferiu não se identificar, os defensores da federalização ¿ ou despaulistização ¿ do PT, querem ocupar o vácuo deixado pelo extinto Campo Majoritário com a queda de José Dirceu, José Genoino, Antonio Palocci, Silvio Pereira, Delúbio Soares etc.

¿ O Campo Majoritário tinha muitos seguidores e poucos fiéis. Correntes fortes como a DS, a Articulação de Esquerda e o Movimento PT continuarão, mas com menos influência.

Delgado: direção foi terceirizada

Estas correntes e a Unidade na Luta (ex-Campo Majoritário) são verdadeiros partidos dentro do partido. Sustentadas em verbas orçamentárias do PT e nos mandatos de seus parlamentares e ministros, têm sedes e orçamentos próprios, funcionários, hierarquias, publicações. Desde a fundação do PT essas correntes disputam cada palmo de poder na máquina petista e nas administrações do partido. As eleições internas costumam registrar casos de agressões e ameaças entre militantes de correntes adversárias. Elas estão longe de influenciar as principais decisões do governo, mas exercem poder capaz de obrigar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a contemplá-las no Ministério.

O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto, por exemplo, é da DS. Para o deputado mineiro Paulo Delgado, na atual estrutura interna prevalecem quadros da burocracia interna subordinados a algum líder com apelo fora do partido.

¿ Houve uma terceirização da direção do PT ¿ observou Delgado.

Principal líder da Articulação de Esquerda e terceiro colocado no PED para a presidência do PT, Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais, concorda que as tendências estão enfraquecidas, mas discorda da tese de que a quantidade de votos deve influenciar na divisão de poder interno.

¿ As tendências não têm mais o mesmo poder de dez anos atrás. Hoje existem vários centros de poder. Mas a direção deve agradar aos filiados do PT e não a todos os eleitores. Muita gente que vota nos candidatos do PT não é do PT. Tivemos um PED com mais de 300 mil votantes ¿ lembrou Pomar.

Decisão em maio no congresso

A disputa está em jogo desde o momento em que o TSE confirmou a vitória de Lula, mas a arena para definição de quem vai mandar no PT será o 3º Congresso Nacional do partido, que provavelmente será realizado em maio de 2007 ¿ a data será marcada na próxima reunião do diretório nacional.

¿ Não vai ser fácil fazer essa inflexão ¿ admite Pimentel.

Ao comentar a federalização, Pomar mostra que o prefeito de Belo Horizonte pode ter razão.

¿ Se alguma chapa quiser mudar seus nomes, que mude. A tendência da qual eu faço parte está muito satisfeita com os seus paulistas ¿ disse Pomar, Secretário Nacional de Relações Internacionais do PT e também paulista.