Título: Para analistas, carga tributária, oferta de energia e educação são entraves
Autor: Luciana Rodrigues, Patricia Duarte e Martha Beck
Fonte: O Globo, 04/11/2006, Economia, p. 34

Com mesmo nível de instrução da Coréia do Sul, renda `per capita¿ subiria 40%

RIO e BRASÍLIA. Desafios de curto e longo prazo estão à espreita do crescimento econômico superior a 5% ao ano almejado pelo governo. Economistas de diferentes tendências são unânimes em afirmar que, de imediato, será preciso controlar os gastos do governo e pôr um freio na carga tributária para que o Brasil consiga, enfim, sair da taxa medíocre de 2,12% de crescimento médio anual que se repete há duas décadas. Mas os problemas não se resumem à questão fiscal.

Para manter o vigor econômico, será indispensável garantir a oferta de energia, e especialistas vêem riscos nesse front a partir de 2009. Além disso, o temido apagão na logística nunca esteve tão perto de virar realidade, e um exemplo recente é a crise nos aeroportos. E o maior gargalo a longo prazo, que é o baixo nível de educação dos trabalhadores brasileiros, precisa ser enfrentado desde já para surtir efeito nas próximas décadas.

O economista Pedro Cavalcanti Ferreira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), fez uma simulação que mostra o peso da educação no crescimento: se o Brasil tivesse o mesmo nível de instrução que a Coréia do Sul, nossa renda per capita seria 40% maior. Ferreira é um estudioso de ciclos de crescimento de longo prazo e cita outro país, a Irlanda, para mostrar como a carga tributária elevada é um fardo:

¿ A Irlanda, que cresceu acima de 7% ao ano na década de 90, conciliou isso com uma redução da carga tributária de 50% para 29% do PIB. O país recebeu ajuda da União Européia, mas fez o dever de casa.

Analista critica falta de planejamento de longo prazo

Ferreira lembra que Lula terá um trunfo a seu favor: graças à inflação sob controle, seu primeiro mandato vai começar com corte de juros. Cenário bem diferente de 2003, quando os preços dispararam, ou mesmo de 1999, quando, em seu segundo mandato, Fernando Henrique enfrentou uma crise cambial que culminou com a desvalorização do real. Em 2006, pela primeira vez, a inflação poderá ficar abaixo do centro da meta. O importante, diz Ferreira, é saber o que fazer com a folga fiscal que será propiciada pela queda dos juros. Na sua opinião, a melhor escolha seria reduzir a carga tributária ou aumentar o investimento público.

A diretora de Rating Soberano da agência de classificação de risco Standard & Poor¿s, Lisa Schineller, lembra que a carga tributária cresceu dez pontos percentuais na última década e, com isso, os investimentos produtivos perderam fôlego.

¿ Os gastos do governo levaram a uma maior carga tributária ¿ diz Lisa.

A opinião da analista encontra eco no setor privado:

¿ O governo tem de ancorar a estabilidade na questão fiscal. Só assim, o país vai crescer mais ¿ afirma o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto.

A reforma tributária é vista como um tema de urgência, mas outras questões, de longo prazo, não podem ser deixadas de lado. E, neste quesito, na opinião de Fábio Silveira, da RC Consultores, falta ao Brasil planejamento e coordenação entre governo e setor privado. O agronegócio é um exemplo: há falhas na defesa sanitária que, se não forem superadas, deixarão o Brasil à margem dos mercados mais exigentes, afirma Silveira.

¿ Mas essa falta de planejamento se aplica a tudo. Ninguém sabe se, em 2015, o Brasil vai estar produzindo carne ou avião. Não há metas de longo prazo, como na China. Aqui, só grandes empresas, como a Petrobras, a Vale do Rio Doce ou a Gerdau, têm planejamento. No governo, não há essa prática.

Silveira acrescenta que a única área em que, agora, está havendo algum planejamento é no setor elétrico. Entretanto, especialistas destacam que os cálculos do governo para a oferta de energia não têm qualquer folga. Por isso, o cenário é de incerteza a partir de 2009.

¿ As contas estão muito apertadas e há algumas variáveis que o governo não controla, como o ritmo de concessão de licenças ambientais ¿ destaca Helder Queiroz, do Grupo de Economia de Energia da UFRJ.

Gastos correntes cresceram 9% ao ano desde 2004

Também não há margem de manobra na contabilidade dos gastos públicos. A previdência (INSS) responde por 43% das despesas correntes do governo, mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem defendido que não é preciso fazer qualquer reforma. Segundo ele, o déficit pode ser resolvido por meio de um trabalho de gestão, com foco no combate a irregularidades. Para o diretor-executivo da Fitch no Brasil, Rafael Guedes, essa é uma visão equivocada.

¿ Gestão não é suficiente. É preciso fazer reforma e ajustar distorções no sistema.

O economista Caio Prates, do Grupo de Conjuntura da UFRJ, lembra que o gasto corrente cresceu 9% ao ano, em termos reais, desde 2004. Como a previdência tem o maior peso nessas despesas, reduzi-las significa, necessariamente, fazer uma reforma ou dar reajustes menores ao salário mínimo, medidas muito impopulares.

Prates explica que dois terços dos benefícios da previdência são atrelados ao mínimo, e o número de beneficiários tem crescido 4% ao ano. Se a expansão da economia seguir esse ritmo, o governo não poderá dar qualquer reajuste no piso salarial se quiser manter estáveis as despesas correntes como proporção do PIB.