Título: Controlador: estresse e equipamento obsoleto
Autor: Monica Tavares, Eliane Oliveira e Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 04/11/2006, Economia, p. 38

Problemas vão de salas mal projetadas a falta de lanche para o turno da noite, além da carga horária pesada

e Bruno Rosa

BRASÍLIA e RIO. A sala de controle de vôo da torre do aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, tem no máximo 20 metros quadrados, é retangular, pequena, tem um clima austero e é considerada obsoleta pelos funcionários. A área de repouso é improvisada. É nesse ambiente que trabalham os controladores de vôo, 90% militares.

Os controladores contam com radar e comunicação por rádio. Mas gostariam que a sala fosse redonda, porque, tal como foi projetada, forma um ponto cego, dificultando a visibilidade, principalmente da segunda pista. Na época em que a nova pista foi construída no aeroporto de Brasília, havia a intenção de se fazer uma nova torre. Com o contingenciamento de recursos, o projeto ficou no papel.

¿ Precisamos de uma torre bem mais alta, de forma que possamos enxergar as duas pistas ¿ diz um controlador.

Os controladores trabalham de costas ou ao lado dos companheiros. Muitas vezes, ficam de pé para poderem ver os aviões que estão chegando. A equipe que está de saída passa todas as informações sobre equipamentos, meteorologia e restrições aéreas à que entra em serviço. Os profissionais falam baixo para não distrair a atenção dos colegas que monitoram os aviões que chegam e saem.

Os turnos são de oito horas. A primeira turma entra às 6h30, a segunda, às 14h30 e a última, às 22h30. Segundo o Comando da Aeronáutica, são 24 operadores em cada um dos três turnos. A divisão é feita da seguinte forma: o controlador trabalha no primeiro dia pela manhã, no segundo à tarde e no terceiro à noite. Depois, folga 48 horas.

Só água e café na madrugada

Para os controladores, um pouco mais de conforto tornaria o trabalho menos desgastante. Por exemplo: a roupa de cama para quem precisa passar a noite nos centros de controle tem de ser levada pelo próprio funcionário. Quem esquecer o lanche ficará com fome na madrugada. A cantina fecha e só há água e café.

O principal problema apontado pelos operadores é a falta de renovação. Há 20 anos não se abre um concurso.

¿ Isso não é um descaso apenas deste governo, é algo histórico ¿ afirma um deles.

Os controladores de vôo são organizados em equipes, com supervisão permanente. Os horários podem ser diurnos, noturnos, irregulares e em rodízio de turnos. A atividade está sujeita a exposição a ruídos e estresse. Um supervisor é responsável por verificar a condição emocional de cada pessoa da equipe. Eles contam que nunca foi levada a sério a determinação de cada controlador tomar conta de só 14 aviões.

¿ Só abria outro controle quando o profissional virava para trás e gritava: ¿Abre outro aqui que eu não tou agüentando¿ ¿ diz um controlador. ¿ Os chefes sabem disso e colocam os caras que pegam mais vôos nos horários de pico.

Todos concordam que, após o acidente com o avião da Gol, no fim de setembro, o clima ficou ainda mais tenso e o estresse aumentou, com conseqüentes distúrbios físicos e psicológicos. Com isso, a Aeronáutica ¿ a quem são subordinados tanto os controladores militares quanto os civis ¿ colocou um médico e quatro psicológicos para acompanhar os funcionários.

¿ Vi colegas meus chorando à toa ¿ diz um deles.

Outro controlador relata a forte repressão sobre a categoria nos últimos dias, com ameaças dos comandos da Aeronáutica. Após o acidente, as folgas de vários profissionais foram canceladas. E, após oito horas de trabalho, os controladores não podem ir para casa: são levados às bases da Aeronáutica.

¿ Os militares dizem que, se o boicote continuar, todos seremos presos. Isso na sala de operações. Os controladores de Brasília estão proibidos de fazer bicos. Ganhamos apenas R$2.400. Não tem como sobreviver ¿ afirma. ¿ A escala foi apertando e decidimos trabalhar com a operação-padrão, atrasando os vôos. Não podemos fazer greve porque somos presos por crime militar.

Ele ainda revela que o centro de controle tem falhas constantes por falta de manutenção nos equipamentos, a maioria obsoletos. Os técnicos de radar, segundo ele, enfrentam o mesmo problema. A diferença, ressalta o controlador, é que os técnicos não lidam diretamente com vidas.

¿ No Galeão, o que há é o radar de terminal. Esse equipamento não pode operar as rotas porque tem um raio limitado a cem quilômetros. É como se tratar do rim num cardiologista. O alto comando da Aeronáutica cortou nossos cursos de aperfeiçoamento como forma de repressão. Os controladores afastados estão em tratamento psicológico no hospital da Aeronáutica ¿ afirma.

O controlador diz que a maioria dos profissionais usa remédios de tarja preta para suportar o trabalho exaustivo:

¿ Imagine o salário baixo, os equipamentos antigos e o controle de mais aeronaves que o permitido. Outro controlador, que mora em Belo Horizonte, diz que a estrutura é a mesma da década de 70. Apesar das horas a mais de trabalho, ele é enfático:

¿ Militar não ganha por hora extra ¿ diz o controlador civil, ressaltando que a rotatividade é muito alta. ¿ São jovens. Quando começam a entender o mecanismo, saem. Quando há acidentes, podemos ser presos.

Hotéis do Rio somam prejuízos

Nos fóruns do site de relacionamentos Orkut, vários controladores deixam seus depoimentos sobre o caos: ¿Chegou ao ponto de a FAB (Força Aérea Brasileira) dizer que não tem como conseguir uma lâmpada de cinco centavos para colocar no console e informar que freqüências estavam ligadas¿. Outro profissional, com o pseudônimo de Scratch Ice Age 2, questiona a falta de indignação das companhias aéreas: ¿Imagina o quanto não se gasta a mais de combustível por causa dessa estrutura precária. Será que ficam esperando acidentes para mudar algo?¿

Há três tipos de controle do espaço aéreo. A torre é responsável pelos aviões mais próximos do aeroporto (até dez quilômetros e a cinco mil pés). O controle de aproximação alcança aeronaves até cem quilômetros do terminal e altitude de 19 mil pés (mede a distância entre aviões, formando uma espécie de fila para o pouso). O terceiro é o centro de controle de área, responsável pela aeronave na maior parte do vôo.

Ontem, o clima foi de tranquilidade nos aeroportos. No Rio, o Tom Jobim contabilizou 14 atrasos de vôos com demoras de até 50 minutos. Foram cancelados outros 45, em movimento normal de feriados. Com a crise da última semana, os hotéis do Rio deixaram de arrecadar cerca de R$800 mil diariamente, com o cancelamento de quatro mil diárias a cada dia. Segundo a Associação Brasileira de Indústria de Hotéis (ABIH), caso os atrasos continuem, as empresas deixarão de arrecadar R$24 milhões em um mês. No Hotel Visconti, Ipanema, cerca de 20% das reservas não foram preenchidas.

¿ O prejuízo para a indústria hoteleira é incalculável ¿ diz Angelo Vivacqua, vice-presidente da ABIH.