Título: AS ARTIMANHAS DO VOTO DISTRITAL
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 04/11/2006, O Mundo, p. 41

Sistema americano permite revisão de fronteiras eleitorais que privilegia partidos

WASHINGTON. Muito embora estejam em jogo os 435 assentos na Câmara de Deputados dos Estados Unidos, nada mais do que 30 deles vêm sendo motivo de ferrenhas disputas. Os 405 restantes deverão ser ocupados por candidatos à reeleição ou, então, por novos que representem os partidos que atualmente já os ocupam.

Isso é resultado de uma artimanha: a constante revisão das fronteiras dos distritos eleitorais. Ela é promovida, obviamente, pelo partido que tem maioria em cada estado ¿ de forma a garantir a sua hegemonia.

¿ Nós temos um sistema em que, com grande freqüência, os nossos representantes selecionam os seus eleitores, em vez de termos eleitores escolhendo os seus representantes ¿ ironizou, com propriedade, o senador democrata Barack Obama.

O mapa eleitoral de cada região costuma ser redesenhado a cada dez anos, com base no censo da população. Todos os estados são obrigados a fazer isso. Como o número de deputados (435) é inalterável, os estados cujo número de habitantes aumentaram acabam obtendo um número maior de representantes ¿ enquanto os que perdem população vêem diminuir o número de legisladores.

Não é preciso, no entanto, esperar uma década. Por iniciativa própria, as Câmaras estaduais podem refazer os mapas quando acharem necessário ¿ com base em levantamento da população num determinado período (cada dois anos, por exemplo). Por isso é muito comum surgirem casos parecidos ao de Luis Gutierrez, deputado democrata de Chicago. Ele representa um distrito que foi criado como uma roupa sob medida: ali a grande maioria dos eleitores é hispânica como ele.

¿ O que acontece é que cada vez vemos áreas republicanas se tornando mais republicanas, e democratas mais democratas. São raros os estados onde, devido à composição de sua câmara, a competição seja real ¿ disse Michael McDonald, professor da George Mason University, em Washington.

Isso se torna ainda mais claro quando se leva em consideração também as disputas para as Câmaras estaduais. Este ano, há eleições em 47 (dos 50) estados, sendo que em 31% delas existe apenas um candidato para a vaga aberta. Michigan é um claro exemplo dos efeitos da revisão distrital. Dos oito atuais ocupantes de um posto na Câmara e no Senado estadual (quatro republicanos e quatro democratas), sete têm a sua reeleição virtualmente garantidas.

Com o tempo o truque de redistribuir os eleitores se torna mais sofisticado, segundo Kimbal Brace, da Election Data Services, empresa de Washington especializada em redesenhar os distritos. Nos anos 70, os mapas eram desenhados no papel. Nos anos 80 ele passou a usar computadores, conseguindo gerar dez cenários diferentes de distritos. Depois do censo de 2000 Brace ganhou condições de gerar mil cenários, utilizando dados sócio-econômicos e os resultados de centenas de votações em cada zona eleitoral. (J.M.P.)