Título: PROPOSTAS DEMOCRATAS AINDA SÃO INCÓGNITA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 04/11/2006, O Mundo, p. 41

Apesar de bandeiras opostas às da Casa Branca, partido não apresenta alternativa clara para crises que abalam governo

WASHINGTON. Ainda que o Partido Democrata consiga maioria apenas na Câmara dos Deputados ¿ uma vitória dessas no Senado é menos provável ¿ a situação do governo de George W. Bush será bem mais difícil do que a atual.

A estimativa mais recente é de que, na pior das hipóteses, a oposição obteria 18 assentos na Câmara, onde necessita de mais 15 para ser maioria. E no Senado, onde precisa de mais seis, teria apenas quatro.

¿ Uma vitória na Câmara será muito mais importante, pois ela é mais poderosa. Ali é preciso apenas uma maioria simples em qualquer votação. No Senado é preciso ter dois terços dos votos para se aprovar algo ¿ lembrou o comentarista político Chuck Todd.

Stephen Wayne, da Universidade de Georgetown, disse que qualquer que seja o resultado Bush estará em apuros:

¿ Percam os republicanos só na Câmara, ou apenas no Senado, isso seria o suficiente para quebrar as pernas de Bush.

Ambos, no entanto, crêem que se o presidente for ágil e esperto, poderia logo de saída recuperar terreno em termos de popularidade. Bastaria que ele acenasse com duas propostas. Primeiro, voltaria ao Congresso com uma idéia recentemente derrubada pelos próprios republicanos ¿ a de uma lei de imigração que criasse o programa de ¿trabalhador-hóspede¿, que agrada aos empresários locais. Isso permitiria a entrada de estrangeiros no país para trabalhar legalmente, por um tempo determinado. Os democratas apóiam totalmente essa idéia.

¿ A outra seria aprovar um aumento do salário mínimo, idéia que os democratas alimentam há uma década e a qual os republicanos sempre colocaram obstáculos ¿ disse Todd.

Há dez anos não há aumento do mínimo e a defasagem tem piorado o padrão de vida de muitos americanos. Uma hora de trabalho para quem ganhava o mínimo em 1968 era suficiente para comprar 19 litros de gasolina; hoje só dá para adquirir nove.

Na opinião de Wayne, Bush poderia ainda sair por cima justamente na questão que hoje o mantém no mais baixo índice de popularidade de seu governo (37%): a guerra no Iraque.

¿ Uma vitória democrata poderia dar ao presidente mais espaço para encontrar um jeito de os EUA saírem do Iraque. Ele adotaria uma política mais moderada a respeito, os democratas se sentiriam vitoriosos mas, no fim das contas, os republicanos e todo o país lhe diriam ¿muito obrigado¿ ¿ disse Wayne.

Mas há, ironicamente, uma grande incógnita sobre esse assunto: embora os democratas sejam unânimes em sua oposição à forma como Bush lida com o Iraque, e sugiram a retirada das tropas, não existe uma política única definida, e sim uma divisão.

¿ Na verdade, nenhum dos dois partidos oferece um caminho claro a ser seguido ¿ disse David Gergen, da Universidade de Harvard, que foi consultor de presidentes de ambos os partidos.

Um grupo de democratas, que já apresentou a proposta na Câmara, sugere o corte de verbas para a guerra. Alguns candidatos ao Senado são contrários ao estabelecimento de uma data para a saída das tropas. Senadores querem que os soldados saiam daqui a dois anos. Já a líder do partido no Senado, Nancy Pelosi, propõe um início imediato da retirada, mas que seja feita gradualmente, até 2007.

¿ No fundo, o que os democratas estão oferecendo é uma espécie de previsão do tempo, em vez de uma posição de política externa ¿ ironizou Stuart Stevens, estrategista do Partido Republicano.

A única coisa que está mais ou menos clara como meta dos democratas é a preocupação em se evitar a instalação de um clima de vingança e de um padrão de obstruções sistemáticas a propostas do governo. Pelosi, que deverá ocupar a presidência da Câmara, já avisou que não quer transformar o Capitólio num tribunal.

A principal preocupação do Partido Democrata seria introduzir leis populares ao longo dos próximos dois anos, preparando o caminho para as eleições em que tentará recuperar também a Casa Branca.

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