Título: UMA POLÍCIA FATAL
Autor: Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 06/11/2006, Rio, p. 10

Número de mortes provocadas por policiais no Rio é 3,6 vezes maior que em São Paulo

Policiais do Rio mataram em supostos confrontos 520 pessoas no primeiro semestre do ano, média de três vítimas por dia. De janeiro a junho, a polícia paulista foi responsável por 290 mortes, contando o mês de maio, quando São Paulo enfrentou uma série de atentados de uma facção criminosa. Segundo cálculos do matemático Tristão Garcia, levando-se em consideração a população e o número de policiais dos dois estados, a polícia do Rio matou 3,6 vezes mais do que a polícia de São Paulo no primeiro semestre.

A análise das estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP) revela que apenas três batalhões da PM foram responsáveis por 189 mortes, 36% do total de vítimas em supostos tiroteios com a polícia no primeiro semestre. No topo da lista aparece o 9º BPM (Rocha Miranda). PMs da unidade envolveram-se em confrontos que resultaram em 83 mortes. No ano passado, o batalhão também encabeçou o ranking, com 128 vítimas.

Em segundo lugar figura o 15º BPM (Duque de Caxias), com 54 mortes, seguido pelo 3º BPM (Méier), que registrou 52 autos de resistência, termo usado para designar as mortes em supostos conflitos. Os dois batalhões mantêm as mesmas posições no ranking de 2005. Ano passado, policiais do batalhão de Caxias mataram 122 pessoas em tiroteios. A unidade do Méier, por sua vez, registrou ao todo 89 mortes.

Niterói tem menos mortes em 2006

Em contrapartida, os dados do ISP indicam redução significativa no número de autos de resistência computados no 12º BPM (Niterói). O batalhão terminou 2005 ocupando a quarta colocação no ranking de mortes em confronto, com 84 casos. No primeiro semestre deste ano, no entanto, policiais da unidade mataram 16 pessoas em supostos tiroteios. A quantidade equivale à metade dos casos registrados no mesmo período de 2005.

A comparação entre os números de autos de resistência registrados no primeiro semestre de 2005 e no mesmo período de 2006 mostra aumento de 3,7%. Um percentual pequeno, se for confrontado com índices registrados nos últimos cinco anos. Em 2000, por exemplo, foram registradas 427 mortes em supostos conflitos com a polícia. No ano passado, o número de vítimas saltou para 1.098, um aumento de 157%.

O alarmante crescimento, na verdade, pode ocultar casos de execução sumária. A versão é reforçada através da análise do perfil das vítimas de auto de resistência. Pesquisa elaborada entre os anos de 1993 e 1996 mostra que, naquele período, 65% das vítimas foram mortas com tiros nas costas e na nuca; e 46,5% foram atingidos por pelo menos quatro disparos.

Para evitar que execuções acabem computadas como autos de resistência, a psicóloga e pesquisadora Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes, defende o aumento dos mecanismos de controle. A pesquisadora cita o exemplo de São Paulo, onde as mortes em confronto vêm caindo anualmente.

Apesar do alto índice, a Corregedoria Interna da PM afirma não ter dados específicos sobre policiais militares punidos por excessos praticados nos supostos confrontos que resultaram em mortes. O comandante-geral da PM, coronel Hudson de Aguiar Miranda, argumenta que cabe à Polícia Civil e ao Ministério Público investigar o uso dos autos de resistência no acobertamento de possíveis execuções.

Para tentar diminuir o alto índice, no entanto, a PM está criando um programa de computador que vai cruzar informações relacionadas ao número de tiros disparados por PMs nas operações, a identidade dos envolvidos e os casos recentes. Com base nas informações, a corregedoria vai elaborar relatórios mensais. Os policiais serão encaminhados para avaliação psicológica, treinamento de tiro e até exclusão, dependendo do resultado do trabalho.

Hudson de Aguiar Miranda reclama da comparação com os números de São Paulo. O coronel argumenta que os traficantes fluminenses usam armas de guerra e reagem à aproximação da PM.

¿ Basta verificar o número de policiais mortos. Até julho, por exemplo, foram assassinados em serviço 18 PMs ¿ afirma Hudson.

O comandante ressalta ainda a quantidade de armas de grande porte apreendidas pela PM, no Rio. No primeiro semestre, segundo o oficial, foram recolhidas 7.603 armas, além de 577 granadas.