Título: TROCA ESGOTADA
Autor: George Vidor
Fonte: O Globo, 06/11/2006, Economia, p. 18

É bom que se diga que o Tesouro liquidou antecipadamente as dívidas com o FMI e o Clube do Paris, mas em troca se endividou internamente. Porém o saldo foi positivo: a dívida pública externa diminuiu na mesma proporção do aumento da interna (o equivalente a 7,5% do Produto Interno Bruto), enquanto o Banco Central conseguiu acumular reservas expressivas em dólares.

Então o governo federal se tornou credor em moeda estrangeira ¿ em aproximadamente 1,5% do PIB. Foi nessa proporção que a dívida líquida do setor público recuou nos dois últimos anos. Daqui para frente essa troca não será mais relevante para as finanças públicas, e o endividamento interno terá de recuar para que a dívida líquida do setor público caia em relação ao PIB.

Tudo indica que isso poderá acontecer se a trajetória de queda nas taxas básicas de juros for mantida pelo Banco Central. As apostas do mercado são de que elas baixarão dos atuais 13,75% ao ano para 12% no fim do ano que vem.

Com exceção da Venezuela e da Argentina, todos os países da América do Sul sempre foram importadores de GLP, mais conhecido como gás de cozinha ou gás de botijão. Esse quadro está mudando completamente e em breve apenas Chile e Peru ainda continuarão a importar GLP.

O Brasil já é auto-suficiente na produção de GLP e também aqui o produto começará a sobrar na próxima década, prevê Sergio Bandeira de Mello, secretário-geral da Associação Ibero-Americana de Gás Liqüefeito de Petróleo e presidente do Sindigás (o sindicato que reúne no Brasil as distribuidoras de GLP).

Esse longo histórico de dependência de importações fez com que o Brasil criasse restrições ao consumo de GLP, que não pode ser queimado, por exemplo, em caldeiras, motores (embora tecnológica e ambientalmente seja uma boa opção para ônibus urbanos movidos a diesel, que poderiam se tornar bicombustíveis), no aquecimento de piscinas e saunas, ou em fornos de padarias.

Uma das razões para esse aumento na produção de GLP é o investimento que vem sendo feito para expansão das refinarias. O processamento do gás natural, pelo qual se separa o componente metano das frações úmidas (como o propano e o butano) também propiciou esse crescimento na oferta de gás de cozinha. Então deverá chegar o momento que as restrições legais ao uso do GLP perderão o sentido, caso contrário a Petrobras passará a ser exportadora de gás de cozinha.

O volume de cargas transportadas pelos ferrovias está crescendo a um ritmo de 7% ao ano. E o crescimento mais significativo vem ocorrendo em cargas não tradicionais das ferrovias, transportadas em contêineres, por exemplo (somente este ano serão mais de 200 mil contêineres, enquanto em 1997, quando foi feita a privatização do setor, não passavam de nove mil).

Com isso, as ferrovias ampliaram sua participação na matriz de transportes do país de 20% para 26%, e o propósito das concessionários é chegar a 30% no fim desta década.

Mas, para que tal meta seja atingida, algumas questões terão de ser resolvidas, entre as quais a definição de investimentos. Pelos contratos de concessão, o que as empresas investirem na via permanente das ferrovias reverterá para o patrimônio da União no futuro; entretanto, não se definiu a regra pela qual as empresas devem ser indenizadas se decidirem duplicar as linhas, trocar todos os trilhos por outros de maior qualidade etc.

Inicialmente pensou-se que a União poderia arcar com esses investimentos, usando parte da receita da Cide paga pelas ferrovias na compra de combustíveis, mas o Orçamento do governo federal para isso é muito minguado (as concessionárias investiram R$10 bilhões de 1997 a 2005, e no período a União não chegou a desembolsar R$600 milhões no setor). Uma alternativa seria o governo autorizar, por aditivo aos contratos, que as concessionárias investissem parte do dinheiro que pagam ao Tesouro anualmente a título de arrendamento das malhas ferroviárias. No entanto, também nesse caso o Tesouro não aceita abrir mão de arrecadação.

Mesmo com esses impasses, o transporte ferroviário deve continuar crescendo. O problema se transfere para os portos. Neste primeiro mandato, o governo Lula não licitou terminais para concessionários privados ¿ agora se entende a razão: o presidente continua contrário à privatização ¿ e o resultado é que a capacidade operacional dos portos está chegando ao seu limite.

A produção de gás natural da Bolívia está restrita atualmente a 40 milhões de metros cúbicos diários, dos quais o Brasil pode importar cerca de 30 milhões (o gasoduto Bolívia¿Brasil está dimensionado para esse volume). A Argentina compra outros sete milhões de metros cúbicos, e o restante é consumido internamente na Bolívia.

Assim, para ampliar a sua produção, a Bolívia precisará de mais investimentos em prospecção. Por maiores que sejam as chances de se descobrir novos campos, a atividade de exploração de petróleo e gás envolve elevados riscos e somas gigantescas. Quanto mais restrições são criadas, menos motivação tem o potencial investidor.