Título: Forca para Saddam Hussein
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Fonte: O Globo, 06/11/2006, O Mundo, p. 21

Justiça dita sentença de morte para ex-ditador iraquiano por massacre de xiitas

BAGDÁ

Três anos após ter sido deposto e meses depois preso por tropas americanas, o ex-presidente iraquiano Saddam Hussein foi condenado ontem à morte por enforcamento por um tribunal de Bagdá, sob a acusação de ser culpado por crimes contra a Humanidade no caso o assassinato de 148 moradores do vilarejo de Dujail, de maioria xiita. Numa sessão dramática, outros companheiros de Saddam também tiveram suas sentenças decretadas. Barzan Ibrahim al-Tikriti, meio-irmão do ex-ditador e juiz durante o regime, e Awad Hamed al-Bander, do primeiro escalão do governo, também foram condenados à morte. O ex-vice-presidente Taha Yassin Ramadan foi condenado à prisão perpétua e três outros integrantes do Partido Baath foram condenados a 15 anos de prisão. Um outro integrante do partido, Mohammed Azawi Ali, foi absolvido por falta de provas.

Saddam entrou na sala do tribunal com um Alcorão na mão e nitidamente tenso, segundo testemunhas, apesar dos sorrisos. Sua sentença foi a primeira a ser lida. O juiz Rauf Abdel Rahman mandou que o ditador se levantasse para ouvir o veredicto, mas ele se recusou e teve de ser levantado por funcionários do tribunal. Assim que a sentença começou a ser lida, Saddam, aos gritos, começou a protestar.

¿ Deus é grande! Viva o Iraque! Viva o povo iraquiano! Abaixo os traidores! ¿ gritou.

Apesar da raiva e dos gritos, o semblante de choque diante da sentença era notório, segundo as testemunhas, e os gritos tiveram que ser interrompidos à força pelos agentes judiciais, que taparam sua boca e o fizeram se sentar novamente. Em algumas ocasiões, Saddam disse que preferia ser fuzilado, caso fosse condenado.

Bush comemora veredicto da corte

Minutos após a leitura do veredicto, dentro do tribunal já se ouviam tiros de comemoração disparados em vários bairros de Bagdá. Nas cidades e distritos de maioria xiita, a festa tomou conta das ruas. Na Cidade de Sadr, dezenas de veículos saíram em carreata buzinando e pessoas pulavam nas ruas, desrespeitando o toque de recolher do governo por causa da violência.

Nas localidades de maioria sunita as reações também foram imediatas, só que de protestos. Em Azamiya, distrito de Bagdá, foram ouvidos tiros de metralhadoras e de morteiros, e muitos simpatizantes do ex-presidente foram para as ruas jurar vingança.

A sentença também despertou diferentes reações entre os políticos e na comunidade internacional. O primeiro-ministro do Iraque, Nouri al-Maliki, disse que Saddam está enfrentando o castigo que merece.

¿ A Justiça que foi feita é uma resposta ao pedido de milhares de irmãos e irmãs daqueles que foram executados por Saddam. Talvez isso ajude a aliviar a dor de viúvas e órfãos, daqueles que foram forçados a reprimir seu sofrimento, daqueles que tiveram de pagar nas mãos de torturadores, daqueles que foram privados de direitos humanos básicos, como educação e uma profissão ¿ disse ele.

A dois dias das eleições americanas, o presidente George W. Bush também comemorou e disse que a condenação do ex-ditador é um grande marco no esforço de substituir o domínio de um tirano pelo império da lei.

¿ Não podemos dizer outra coisa: a condenação é uma grande realização para a jovem democracia do Iraque ¿ disse Bush.

Os críticos, no entanto, começaram a se manifestar antes mesmo de o julgamento terminar. O ex-procurador-geral dos Estados Unidos Ramsey Clark, contratado para ser um dos advogados de Saddam, foi retirado do tribunal depois de entregar um recado ao juiz no qual chamava o julgamento de farsa.

¿ O julgamento de Saddam representou uma forma de justiça dos vitoriosos, uma vez que os Estados Unidos acompanharam o processo de perto. A sentença foi divulgada dois dias antes das eleições nos EUA, por pressão dos republicanos. É uma farsa ¿ disse o advogado.

Segundo a Justiça iraquiana, os procedimentos de apelação da sentença começam hoje e podem durar algumas semanas. Caso as apelações sejam rejeitadas, a Justiça dá o prazo de 30 dias para a execução da sentença. O ex-presidente também está sendo julgado em outros processos, como o que julga o massacre de curdos.

Apesar das comemorações e dos protestos, analistas não acreditam que a sentença mude, para pior ou para melhor, o cenário de violência no Iraque. O cientista político iraquiano Mustafa al-Ani, do Centro de Pesquisas do Golfo, em Dubai, disse que apenas cerca de 10% dos grupos insurgentes iraquianos podem ser considerados saddamistas ou baatistas:

¿ Deve haver reação de grupos leais ao ex-presidente, mas não o suficiente para provocar aumentos significativos no grau de violência.