Título: SENTENÇA MERECIDA NÃO JUSTIFICA A GUERRA
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Fonte: O Globo, 06/11/2006, O Mundo, p. 22

O julgamento de Saddam Hussein chegou ao fim. Os julgamentos de George W. Bush e Tony Blair pela opinião pública estão apenas começando. O fato de uma corte em Bagdá ter considerado Saddam Hussein culpado por crimes contra a Humanidade e condená-lo é o único benefício da invasão do Iraque. Nada mais. Não houve outros ganhos a partir do que os senhores Bush e Blair fizeram, nem para o povo iraquiano nem para os interesses ocidentais. Tudo foi um desastre. E, por isso, seus eleitores estão cobrando explicações.

A tortura é um exemplo de quão completo foi o erro dos dois líderes. Há mais abusos contra os direitos humanos no Iraque hoje do que na época em que Saddam estava no poder. O relatório das Organizações das Nações Unidas, divulgado em setembro, expressava preocupação com as ¿violações dos direitos humanos, particularmente contra o direito à vida e à integridade pessoal, que continuam acontecendo extensivamente no Iraque¿. O relatório indicava que centenas de corpos aparecem diariamente pelo país, muitos com sinais de tortura. E dizia, ainda, que, nos centros de detenção oficiais, a tortura continua sendo um problema corrente. Um tirano foi substituído por muitos.

Sentimo-nos envergonhados com a descoberta de que os governos americano e britânico também usaram a tortura. Era essa a ordem que iríamos levar para o Iraque?

Nos julgamentos pela opinião pública do presidente e do primeiro-ministro, é difícil dizer qual deles merece ser tratado com mais rigor. O Iraque está retirando o senhor Blair de seu gabinete. Mas ele ainda espera poder evitar qualquer investigação por seus atos. Já o senhor Bush não pode ser removido ¿ a não ser por impeachment. Mas algo quase tão doloroso está ocorrendo com ele.

Esqueça por um instante que as eleições para o Congresso americano acontecem amanhã. No fim de semana, o presidente foi publicamente abandonado por seus apoiadores ideológicos de forma insultante e inimaginável. Nas colunas da revista ¿Vanity Fair¿, eles jogaram o senhor Bush no lixo. De acordo com Richard Perle, que foi seu conselheiro até 2004, a catástrofe tem um motivo central: a disfunção devastadora dentro do grupo do presidente Bush. Ele disse à ¿Vanity Fair¿: ¿Decisões que deveriam ter sido tomadas não o foram. Eles não decidiram num tempo aceitável, e as diferenças foram debatidas interminavelmente... no fim do dia, a responsabilidade para tomar a decisão era do presidente¿. Já David Frum, co-autor do discurso do Estado da União de Bush em 2002, disse que a situação deve ser atribuída a ¿uma falha no centro¿, começando pelo próprio presidente.

Os comentários mais devastadores vieram de Kenneth Adelman, um ativista neoconservador que trabalhou como conselheiro no Pentágono até 2005. ¿Eu presumi que a equipe de segurança nacional era a mais competente desde o presidente Truman. Porém, eles se mostraram uma das equipes mais incompetentes do período pós-guerra. Não apenas cada um individualmente teve falhas, mas juntos eles foram mortais¿.

A opinião contemporânea e, depois, histórica, vai destruir a reputação de Bush e Blair. O senhor Blair estará atrelado ao Iraque para sempre, não importando suas outras qualidades. Quando você comete um erro que custa a vida de muitos homens e mulheres, incluindo seus próprios cidadãos, não se pode pedir que se coloquem na balança suas virtudes e fraquezas, seus feitos e falhas. Nas barras da opinião pública, não haverá misericórdia ¿ como não houve, ontem, para Saddam Hussein na sala da corte.

ANDREAS WHITTAM SMITH é colunista do ¿Independent¿