Título: Fazer ou desistir
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/11/2006, O Globo, p. 2

A reforma política chegou àquele ponto em que deve ser feita ou então arquivada para não servir mais de panacéia. Devia sair, com ou sem a boa vontade do governo, porque o atual sistema político-eleitoral está exaurido. Um exemplo da exaustão: segundo o Diap, apenas 32 dos 513 deputados alcançaram, sozinhos, nesta eleição, número de votos para se eleger.

Isso é escandaloso, embora pareça tão normal. Os demais só se elegeram graças a sobras do partido ou coligação. Isso quer dizer que boa parte dos eleitores nem está representada na Câmara. Votou num, ajudou a eleger outro. Outro dado está no custos das campanhas neste sistema de disputa individual. O GLOBO publica hoje levantamento mostrando que 60 dos eleitos gastaram em suas campanhas mais de R$1 milhão cada um. Neste sistema, a elite política também não se renova. A vantagem é sempre dos mais conhecidos, que já têm mandato e projeção, ou dos endinheirados.

Vamos à reforma possível. O deputado eleito Ciro Gomes, proporcionalmente o mais voto em outubro ¿ assegurando que vai para a Câmara e não para o Ministério ¿ diz que fará da reforma política a prioridade inicial de seu mandato.

¿ Ou não fazemos nada, deixando claro que o sistema ficará intocado por três ou quatro eleições, para que o eleitor gradualmente faça seus ajustes, ou aprovamos logo as novas regras. E teremos de estabelecer que elas só entram em vigor daqui a duas eleições, pelo menos. Do contrário, não passa: a representação parlamentar é prisioneira da institucionalidade atual. Sente-se ameaçada com qualquer mudança.

Mas, mesmo não se mexendo no sistema eleitoral ¿ adotando a lista fechada ou o voto distrital ¿, Ciro acha que será possível um entendimento mínimo sobre pontos como a fidelidade partidária e o financiamento público de campanhas. A reforma já aprovada pelo Senado e em tramitação na Câmara adota estes dois últimos pontos e o voto em lista fechada.

Em seu artigo de domingo, depois de dizer que os vencidos não têm obrigação de apoiar o governo nem devem ter a compulsão da oposição sistemática, o ex-presidente Fernando Henrique toma a reforma política como questão. Que reforma? Coloca-se contra o voto em lista, enumerando inconvenientes, como o de privar o eleitor de escolher diretamente seu representante ao votar numa lista, fortalecendo as direções partidárias, a caciquia política. Prefere o sistema distrital, puro ou misto, que tem de fato a vantagem de vincular mais fortemente eleitos e eleitores.

Não é, porém, a posição de todo o PSDB. O líder na Câmara, Jutahy Júnior, diz-se favorável a um acordo em torno da reforma em tramitação.

¿ A reforma já é difícil por projeto de lei. Por emenda constitucional é que não sairá mesmo.

O voto em lista pode ser aprovado por lei ordinária, pois não suprime nem altera o voto proporcional, que está na Constituição. Já o sistema distrital, só por emenda constitucional, logo, por três quintos dos votos.

¿ O voto em lista pode ter inconvenientes, mas é muito melhor que o sistema que temos. Cada candidato tem que se fazer conhecido, ter propostas próprias, produzir seu material, viajar, fazer comícios e gravar suas participações na TV. O partido e suas idéias não entram na conta. Quanto aos caciques, já mandam na escolha dos candidatos no sistema atual ¿ diz Jutahy.

Neste fim de ano, este Congresso vencido não vai nem deve tratar da reforma política. Mas, no início de 2007, governo e oposição deveriam dar a ela a última chance. Não passando, não se fala mais nisso e nos ajustamos ao que temos.