Título: BALDE MEDIEVAL
Autor: Xico Graziano
Fonte: O Globo, 07/11/2006, Opinião, p. 7

Lula venceu. Ponto. Na democracia, manda o voto popular. E as urnas se abriram inquestionáveis. Agora, como diz o caboclo, não adianta chorar o leite derramado. Na agropecuária, o desalento precisa sucumbir à altivez. Olhar pra frente.

Ânimo. O segundo governo petista conta com a vantagem da experiência. O presidente, especialmente, está mais maduro, no ponto de colheita. Basta errar menos.

A agenda da agricultura é conhecida. Nos cenários que se vislumbram, duas questões se destacam. Primeiro, as invasões de terra. Isso precisa acabar. Ao contrário do passado, quando latifúndios eram ¿ocupados¿, hoje se invadem empresas rurais, grandes, porém produtivas. O movimento que nasceu social descambou para o banditismo.

Os pseudo-revolucionários apoiaram Lula, e vão querer cobrar a fatura. No governo que se encerra, houve uma partilha do poder: o MST domina o Incra e a Contag manda no Pronaf. Convênios irrigam as fortes organizações com recursos públicos. Inexiste melhor cala-boca.

Crescentemente, são os assentamentos rurais que mais preocupam, seja o governo, seja as organizações que os controlam. Há no país quase 8 mil projetos de reforma agrária. Englobam 900 mil famílias beneficiadas. A área distribuída ultrapassa 50 milhões de hectares, maior que a área cultivada com grãos, que monta 45 milhões de hectares. O custo beira R$50 bilhões. A reforma agrária não pode se transformar em rosca-sem-fim.

As nações, todas elas, que promoveram profundas reestruturações fundiárias, sempre traçaram início e final da mudança. Chama-se a isso planejamento. O segundo governo Lula poderá cumprir, como talvez nenhum outro o consiga, esse papel histórico. Dizem que existem 200 mil acampados. É falso, mas tudo bem. Que se assente toda a suposta fila e, depois, se encerre esse velho drama medieval, aposentando os justiceiros da terra.

O segundo grande tema, extremamente preocupante para o futuro da agropecuária, diz respeito ao progresso científico e tecnológico. Na década de 70, quando se constituiu a Embrapa, o Brasil iniciava a conquista do cerrado, ampliando suas fronteiras produtivas. Foi uma revolução agronômica, uma mudança de paradigma mundialmente reconhecida.

Tal conhecimento se exaure. Na biotecnologia mora o germe da próxima ¿onda¿. Mas as coisas estão emperradas. Após anos de discussão sobre a lei de biossegurança, a reformulada CTNBio não consegue decidir nada. O Conselho, recheado de ambientalistas de carteirinha, assemelha-se a uma assembléia petista. Verdadeiramente, cientistas não combinam com ideologia barata.

Todo novo conhecimento assusta. Paciência. Melancia sem sementes, não-transgênica, é produzida no laboratório. Feijão carioca também. Alguém é contra?

Calma no plantio, rapidez na pesquisa. Durante uma década, renomados cientistas desenvolveram metodologias e descobriram caminhos inusitados para a humanidade. Nesse período, milhões de hectares acabaram semeados com variedades geneticamente modificadas, sem que nenhum relato consistente comprovasse dano ambiental ou problema de saúde humana. Esvai-se o medo.

Enquanto o mundo acelera, o Brasil continua perdido no assembleísmo. A Embrapa, universidades e laboratórios de ponta continuam com freio de mão puxado, aguardando autorizações esdrúxulas. A ecologia serve ao obscurantismo. Lá fora, a engenharia genética anda a galope. Aqui dentro, passo de tartaruga.

Na agenda dos agronegócios, tantas questões exigem solução. A inclusão dos pequenos agricultores, a conservação florestal, sanidade e qualidade dos alimentos, abertura de mercados, a taxa de câmbio opressiva, o seguro rural inexistente, as estradas esburacadas e as ferrovias de São Nunca.

São temas importantes, que atravancam o porvir da agropecuária brasileira. Na lista das incertezas, todavia, a encabeça o tormento das invasões de terra e a lerdeza da pesquisa científica. Se não resolver logo, pode perder o bonde da História. Seria como chutar o balde de leite.

XICO GRAZIANO é agrônomo e deputado federal (PSDB-SP). E-mail: xicograziano@terra.com.br.