Título: A PURA RETÓRICA AUMENTA A INCERTEZA
Autor: ILAN GOLDFAJN
Fonte: O Globo, 07/11/2006, Opinião, p. 7

Gostaria de saber o significado exato de desenvolvimentismo. Afinal, parece fazer parte do imaginário de figuras importantes do atual governo, como o ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, que se apressou em decretar o fim da era Palocci (e foi desmentido, com a mesma rapidez, pelo presidente), e do atual ministro da Fazenda, que completou que, de agora em diante, não será preciso aplicar ¿a mesma política tão rigorosa¿.

Pois bem. Procurei no dicionário Houaiss: desenvolvimentismo é a valorização do desenvolvimento econômico, que significa crescimento, progresso ou adiantamento. Ou seja, de agora em diante, começando no segundo mandato, planeja-se valorizar o crescimento e o progresso. Pensei que também gostaria de me autodenominar desenvolvimentista. Eu, e provavelmente todos os que são apresentados à definição. Afinal, quem é contra o desenvolvimento? Quem não quer ver o país crescer, progredir ou se adiantar?

Parece que contra o desenvolvimentismo talvez só os que têm a infelicidade de serem denominados ortodoxos que, segundo o Houaiss (3ª ªdefinição), significa não tolerar o novo e o diferente. Ou os rigorosos monetaristas, que sustentam ser possível manter a estabilidade de uma economia capitalista, baseando-se nas forças espontâneas do mercado e em estratégias, como controle do volume de crédito, redução ao máximo dos gastos públicos, aumento ou diminuição da taxa de juros (minha ênfase no ao máximo).

Pura retórica, mas que encontra eco no imaginário popular (transmitidos, obviamente, sem os ¿ismos¿). O exemplo das privatizações é ilustrativo. A definição de privatização no Houaiss é a transferência do que é estatal para o domínio da iniciativa privada, desestatização. Mais parece definir desapropriação do Estado pelo setor privado: a entrega da posse dos bens públicos para alguns indivíduos. Não se menciona que, na realidade, ocorreu a troca de ativos, que esses bens foram pagos com preço definido em leilões. Essa visão é coincidente com a percepção popular: ninguém é a favor de entregar o seu bem para os outros. A discussão do benefício da privatização para a economia (como, por exemplo, o inegável progresso nas telecomunicações e o sucesso da CVRD) é relegada para um outro nível no debate.

A pura retórica na economia deveria ter prazo de validade e passar a contemplar também a análise dos fundamentos. Passadas as eleições, acreditava-se que a fase da pura retórica e do maniqueísmo na economia (onde só alguns querem o bem-estar) se tinha esvaído e daria lugar a um debate sobre quais os meios adequados para alcançar o fim comum. Afinal, como sustentar que antes ¿ incluindo no primeiro mandato do atual presidente reeleito ¿ não havia o objetivo do progresso e do crescimento?

De certa forma, o desmentido do presidente (¿não tinha política econômica do Palocci, a política econômica era do governo, aquilo foi uma produção independente, claro que a seriedade com a política fiscal vai continuar¿) e a luta de alguns dentro do governo por um planejamento fiscal, que venha recolocar as contas do governo numa trajetória sustentável e pela manutenção do controle da inflação, vão ao encontro da busca de um caminho adequado para o crescimento baseado na análise dos fundamentos.

Mas há sinais também de flerte permanente com a retórica eleitoral. O discurso de uma nova fase de política econômica que enfatiza o crescimento, baseado inclusive na definição de metas explícitas (de, pelo menos, 5%), para acompanhar as metas já existentes de inflação, indica uma continuada ênfase nos objetivos e resultados e menos em como atingi-los. O crescimento da economia depende de mais investimento, educação, produtividade e eficiência, que não irão se modificar apenas com mais ¿vontade política¿ ou estabelecimento de novas metas de crescimento. Sem a definição do instrumento e os esforços necessários de mudanças e reformas que farão parte desta nova fase, fica a dúvida da utilidade desta continuada retórica (por que não estabelecer uma meta mais ambiciosa, por exemplo, de 8%?).

O grau de incerteza da sociedade sobre o seu futuro imediato, em particular no período pré e imediatamente pós-eleitoral, sinaliza o grau de maturidade e institucionalização da economia. Os desmentidos presidenciais ajudam a evitar que as expectativas desandem para rumos incertos, mas os episódios aumentam a incerteza e mostram que setores influentes deste governo ainda flertam com a pura retórica e parecem acreditar no próprio conto de fadas.

ILAN GOLDFAJN é professor de economia da PUC-RJ. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.