Título: EXTORSÃO POR TELEFONE SE ALASTRA
Autor: Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 07/11/2006, Rio, p. 12

Chefe de Polícia diz que golpe virou epidemia e lança cartilha para combater o crime

Diante da explosão de casos, o chefe de Polícia Civil, Ricardo Hallak, passou a tratar como epidemia a chamada extorsão telefônica simulando seqüestro e preparou uma cartilha para orientar os cidadãos e os policiais sobre como agir. No mais novo golpe dessa modalidade de crime, o bandido usa alguém chorando, do outro lado da linha, para que a vítima pense se tratar de um parente seqüestrado e cumpra as exigências que são feitas.

¿ Normatizamos os procedimentos das autoridades policiais. Percebemos uma epidemia. Ao receber um telefonema como esse, é importante não se desesperar. Não se deve dar qualquer informação pelo telefone. Deve-se desligar e procurar localizar o parente que esteja fora de casa. Depois, é fundamental ir a uma delegacia fazer o registro, para que a polícia possa investigar ¿ orienta Hallak.

Os casos acontecem com mais freqüência na Zona Sul e na Barra da Tijuca. Embora o golpe esteja cada vez mais sendo praticado, a subnotificação é alta. O chefe de Polícia diz que se deve procurar a delegacia, mesmo que a extorsão não se configure (quando se desliga o telefone antes do pedido de dinheiro, jóias ou créditos de celular). Com uma medida judicial, a polícia pode conseguir das operadoras de telefonia a relação das chamadas não identificadas, o que vai auxiliar nas investigações.

Crime começou dentro dos presídios

Morador de Copacabana, o estudante X. viveu uma situação de pânico, logo depois das 23h de domingo, quando o telefone de sua casa tocou. Pouco antes, tinha dado boa-noite, pelo telefone, à namorada.

¿ Ligaram a cobrar. Acho que era de um telefone público. Atendi, e era a voz da minha namorada gritando. Perguntei várias vezes o que tinha acontecido, e ela não respondia. Eu não conseguia entender o que ela dizia ¿ conta X.

Ao ouvir o telefonema, a mãe de X. se aproximou, começou a falar e o bandido desligou. O jovem, então, telefonou para a namorada, confirmando que ela estava bem e em casa.

Hallak lembra que o crime de extorsão telefônica simulando seqüestro começou a ser praticado principalmente por presos, usando telefones celulares que entram ilegalmente nas carceragens. A princípio, os criminosos ligavam já tendo informações sobre as vítimas. Há cerca de três meses, no entanto, a tática do choro passou a ser a mais utilizada.

¿ Os bandidos constataram que era fácil cometer esse crime e, agora, sequer buscam informações sobre as vítimas. Pegam um prefixo de telefone e vão discando ¿ alerta Hallak.

Na extorsão mais simples, a vítima coloca o dinheiro ou as jóias no local indicado. Há ainda os que vão para o lugar pedido (uma praça, por exemplo), só podendo atender ligações de um determinado número. Nesse caso, quando o suposto seqüestrado chega em casa, passa a ser o alvo da extorsão: ele recebe uma ligação dando detalhes sobre a pessoa que está na rua, que passa a ser tratada como a vítima do suposto seqüestro.

O manual lançado pela Polícia Civil tem 28 páginas. Todas as delegacias receberam a cartilha, que trata ainda de roubo circunstanciado com privação momentânea de liberdade (seqüestro-relâmpago) e de extorsão mediante seqüestro.

Por causa do golpe da extorsão telefônica, a viagem de dois casais do Rio para São Paulo, no feriadão de Finados, transformou-se em pesadelo. Z. e S., com as suas namoradas, viajaram na manhã do dia 2, em dois ônibus da Viação 1001.

¿ No meio do caminho, a polícia entrou no ônibus onde eu estava procurando um rapaz. O motorista explicou aos passageiros que a mãe do jovem, que estava no ônibus, havia recebido um telefonema de seqüestro ¿ conta o músico Z.

Na noite do dia em que Z. chegou a São Paulo, a mãe dele recebeu um telefonema parecido. Na manhã seguinte, foi a vez de o pai da namorada de S. ser vítima do golpe.

¿ Ele ouviu uma voz parecida com a da filha e acabou pagando o que foi pedido, em cartões telefônicos.

O estudante de pós-graduação em economia S. suspeita que alguém tenha visto ou tido acesso aos dados que constam da ficha de identificação que tiveram de preencher para entrar nos ônibus. Segundo S., o telefone de sua namorada é novo e poucos o conhecem.

A 1001 desconhece o que ocorreu. Informa, no entanto, que o preenchimento da ficha é obrigatório por lei. A ficha é levada pelo motorista e guardada no arquivo da empresa por seis meses. A 1001 orienta os usuários que preencham o papel em local reservado ¿ os passageiros executivos na sala VIP, por exemplo.

O porteiro Sebastião José da Silva, de 68 anos, não se esquece do golpe que sofreu ano passado. A mulher e o filho tinham acabado de sair de casa quando o telefone tocou. Alguém informou que eles haviam sido seqüestrados. Sebastião pensou em ligar para o celular do filho para verificar, mas, do outro lado da linha, o interlocutor foi claro: se telefonasse, ia ouvir o barulho dos tiros. Sebastião seguiu as ordens dos bandidos.

¿ O 31 de dezembro do ano passado foi o pior dia da minha vida. Passei por um sofrimento terrível, perdi R$900 e no fim eles ironicamente ainda me desejaram feliz Ano Novo.

A advogada aposentada Nilza de Jesus, de 56 anos, já passou duas vezes por situação parecida. Da primeira, foi o marido quem atendeu o telefone. Disseram que um sobrinho dela estava em poder de seqüestradores numa favela e que, se eles não pagassem o resgate, o rapaz morreria.

¿ Eu já sabia desse golpe, então cheguei perto do meu marido e disse para ele desligar o telefone. O meu sobrinho estava bem, em casa ¿ conta.

O outro golpe contra Nilza aconteceu semana passada. Ligaram para sua casa de madrugada, dizendo que seu filho tinha sido seqüestrado.

¿ Telefonaram a cobrar. Eram 5h30m. Quando atendi, um rapaz, chorando muito, disse: ¿Mãe, fui assaltado¿. Como não reconheci a voz do meu filho, eu respondi: ¿Não é daqui, você ligou errado. Ligue para a sua mãe¿. E desliguei o telefone. Agora, quando recebo uma ligação a cobrar, nem espero completar, porque sei que é um risco.