Título: PROJETO DE IDENTIFICAÇÃO DE USUÁRIOS DA INTERNET PODE SER VOTADO AMANHÃ
Autor: Monica Tavares e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 07/11/2006, Economia, p. 23

Idéia de tipificar crimes cibernéticos é considerada atentado à privacidade

BRASÍLIA e RIO. Governo, sociedade civil e provedores de internet reagiram ontem à proposta de identificação obrigatória dos usuários quando houver troca de mensagens e conteúdo pela rede mundial de computadores, contida em projeto de lei que pode ser votado amanhã na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. De autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o texto tem como objetivo tipificar os crimes cibernéticos e buscar formas de combatê-los. No entanto, além de ser considerada inócua, os opositores da idéia afirmam que a restrição de uso é um atentado ao direito de privacidade.

O projeto prevê a identificação do usuário de rede de computadores com o nome, data de nascimento, endereço e número de documentos a cada acesso. Haveria uma fase de transição de 120 dias para que os atuais usuários façam a identificação ou atualizem seu cadastro. Após esse prazo, o descumprimento da regra levaria à pena de reclusão.

Ministro diz que não pode haver restrição à liberdade

Pela proposta, os provedores serão co-responsáveis pelos dados fornecidos, uma vez que terão que checá-los, e só poderiam oferecer acesso se comprovassem sua veracidade. Estariam sujeitos ao monitoramento o acesso à internet para troca de e-mails, o download de músicas e a criação de blogs, por exemplo. Estaria fora da restrição o acesso a conteúdo informativo (como sites de jornais).

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, que está na Turquia participando da reunião da União Internacional de Telecomunicações, considera o projeto, segundo o site Terra, ¿confuso¿ e carente de mais discussão antes de ser votado.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que o projeto não pode conter regras de restrição à liberdade de expressão:

¿ Qualquer tentativa de coibir a liberdade de expressão deve ser afastada liminarmente. Como dizia um jurista da Suprema Corte dos EUA: a Constituição não quer que a imprensa seja justa. A Constituição quer a imprensa seja livre ¿ disse Bastos, depois de participar da abertura do 3º Seminário Internacional sobre Crimes Cibernéticos.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso e de Serviços de Internet (Abranet), Antonio Tavares, a aprovação do projeto seria um retrocesso. Para ele, leis não são as melhores soluções para evitar crimes cibernéticos e regular a internet com a velocidade que o meio demanda:

¿ Viraríamos os vilões ¿ disse o presidente da Abranet, que tem mais de 50 provedores e 300 empresas associadas.

Os provedores afirmam que haverá aumento de custos e possível fuga de clientes ¿ que tentariam, por exemplo, mecanismos de navegação internacionais.

Em entrevista ao Globo Online, o senador Azeredo defendeu o projeto. Segundo ele, a identificação obrigatória é apenas ¿uma parte necessária¿ da proposta já aprovada pela Comissão de Educação do Senado e que pretende coibir práticas suspeitas e incluir os crimes cibernéticos na legislação penal:

¿ O projeto é mais amplo do que a simples identificação do usuário porque prevê o disciplinamento do uso das novas tecnologias, a inclusão dos crimes digitais no Código Penal para coibir o uso indevido de dados, clonagem de celulares e de cartões de crédito. Para punir o mau uso é preciso identificar este usuário.

Internautas convocam greve para quinta-feira

Tecnicamente, o governo considera a medida inócua, pois o rastreamento já é feito, em caso de crimes. Além disso, lembra uma fonte, as pessoas só podem acessar a internet por um provedor e, para se cadastrar, o usuário já informa seus dados.

A partir do site de relacionamentos Orkut, partiram ontem mensagens convocando uma greve de internautas, na quinta-feira, entre 20h e 22h, em protesto contra o que consideram um projeto de invasão da privacidade e o começo de ¿grave processo de controle¿. O presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito de Informática (IBDI), Pedro de Resende, disse que a obrigatoriedade de identificação não existe em nenhum lugar do mundo, pela sua ineficácia em fornecer prova que permitam identificar criminosos:

¿ Isso é extremamente inquietante, e soa mais a lobby para vender certificado (digital) ou para agentes de Estado interessados em seu totalitarismo.

(*) Colaboraram Jaílton de Carvalho e Agnes Dantas, do Globo Online