Título: Coalizão
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 08/11/2006, O GLOBO, p. 2

O presidente Lula deu férias ao ministro Tarso Genro e começou ele mesmo a fazer costuras políticas. Não delegará poderes para a composição do governo. É uma boa mudança de atitude, mas não é tudo. Tem dito ele também que podará os espaços do PT para fortalecer o PMDB. Isso é necessário, mas não é tudo. Seu desafio não é só contentar peemedebistas com cargos. É atrair todo o partido para uma coalizão com o PT, uma aliança permanente e de longo prazo.

Mas, até agora, não fez nenhum movimento em direção ao PMDB nem aos outros partidos. Tem recebido governadores e os que pedem audiência, como ontem o líder do PTB, José Múcio Monteiro, e o senador peemedebista José Maranhão (PB). Está controlando o tempo do jogo pós-eleitoral, em outro sinal de mudança de atitude. Com os ministros também tem sido assim. Na reunião da semana passada, para discutir a economia, e na de ontem, que tratou de infra-estrutura, foi mais centralizador, reprimindo o estilo assembleísta do PT. Nem tem feito confidências sobre nomes para o ministério, apesar das especulações que estão na praça.

Mas é do sucesso na construção da coalizão política que depende, muito, o êxito do segundo mandato. Grandes planos não param em pé nem deslancham quando o governo não desfruta de tranqüilidade e estabilidade política. A conversa com o PMDB ainda nem começou. Não há tanta pressa, dizem os auxiliares. Enquanto isso, a poeira eleitoral vai baixando, inclusive na oposição.

Se o acordo com o PMDB resumir-se a cargos, e for feito apenas com frações do partido, veremos o mesmo filme. Para merecer o nome de coalizão, o entendimento deve pressupor que o partido dará ao governo todos os seus votos, não apenas os de 50%, 60% da bancada, como acontecia. Em troca, deve ter cargos, poder e responsabilidade no governo.

Mas, mesmo acertando-se com o PMDB e com os parceiros eleitorais, PCdoB e PSB, para ter uma maioria confortável e segura Lula continuará precisando do reforço dos partidos médios, PTB, PP e PL (agora PR). Esta é uma decorrência deste sistema de governo que o cientista político Sérgio Abranches batizou de presidencialismo de coalizão. Por maior que seja sua votação, e a de Lula bateu a de todos os antecessores, num quadro partidário tão disperso, o partido ou coligação do presidente nunca terá a maioria. O PT foi o partido mais votado, mas ficou com apenas 16% das cadeiras na Câmara.

Uma coalizão é uma sociedade no poder. Ministérios e cargos são um instrumento de sua construção aqui e em qualquer outra democracia. O fisiologismo que maldizemos é a divisão do poder em sua forma abjeta e politicamente tosca. É a barganha permanente entre o Executivo e os membros do Legislativo, através dos partidos ou individualmente, para garantir votos em cada situação. É o varejão que tem marcado as relações entre os dois poderes desde a redemocratização. Quando o PT preferiu dar ajuda financeira aos partidos médios em vez de lhes dar mais participação no governo, caiu no mensalão.

Quando fala em coalizão, Lula manifesta a compreensão desta diferença. Deve ter aprendido mesmo com os erros do primeiro mandato. Mas a construção da coalizão dependerá muito do PT, da superação de seus ímpetos de hegemonia sobre os aliados. Já o PMDB, grande, enraizado, mas sem projeto nacional, pode estar tendo uma chance de reencontrar o caminho que perdeu lá atrás, quando perdeu para o PFL a parceria com o PSDB.