Título: Simples e errado
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 08/11/2006, Economia, p. 22

Nas últimas horas antes das eleições de ontem, o presidente Bush resumiu seu discurso: ¿Votar no Partido Democrata é votar por aumento de imposto. Votar no Partido Republicano é votar por redução de imposto.¿ A verdade é bem mais complicada que isso, mas eleição é época de construir idéias simples, que normalmente estão erradas. Quando se desarma o palanque, é preciso desarmar junto as idéias simplistas.

O presidente Lula disse ao GLOBO que o país estava preparado para crescer sem reformas e sem corte de gastos. E agora o governo está estudando reformas e corte de gastos para garantir o crescimento futuro. Durante a campanha, o presidente Lula repetiu a idéia de que, no primeiro mandato, tinha feito as bases da casa, e agora levantaria as paredes. Ao longo da campanha, foi se animando e, no fim, já estava dizendo que tinha feito bases e paredes, e agora precisava pôr o telhado. Simples, fácil de entender e errado.

Há muito a fazer ainda nas bases para fincar as fundações que permitirão o crescimento futuro. Muito já foi feito, de fato, pelo governo Lula e pelos governos que o antecederam. O processo de reformas no Brasil está correto; o que está errado é o ritmo. Ele tem ido lento demais. Abriu a economia, venceu a superinflação, privatizou, liberou o câmbio, estabeleceu metas de inflação, aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal, provou que a mudança de governo não significa mudanças radicais nas bases da economia, respeitou a autonomia do Banco Central. Mas há uma lista enorme de tarefas não feitas. O interessante é que as mudanças aconteceram de forma coerente e em governos diferentes, de partidos adversários.

As metas de inflação são uma política bem-sucedida que passou pelo teste da mudança de governo. Agora, de novo, elas estão enfrentando o teste dos que pensam que existe uma idéia melhor, a de estabelecer uma meta de crescimento.

O Banco Central cuida da moeda. Usa a política monetária contra a inflação, mas não garante crescimento. Se garantisse, o país estaria embalando um bom crescimento a essa altura porque, nos últimos meses, a taxa de juros caiu seis pontos percentuais. E vai continuar caindo. A maioria dos analistas do mercado financeiro, inclusive, aposta em nova queda de 0,5 ponto percentual na última reunião do Copom do ano. Claro que juros muito altos impedem crescimento, mas a estrutura do crédito no Brasil faz com que decisões do Banco Central não tenham a mesma repercussão no ritmo da produção do que em outros países.

Se o governo decidir dar ao BC duas metas ¿ a de inflação e a de crescimento ¿ ele acabará falhando em uma delas. Para crescer mais e de forma sustentada, como o Brasil inteiro sabe, é preciso garantir que a inflação esteja sob controle. Mas não basta isso. O governo tem de investir e criar condições de que o setor privado invista.

É uma boa idéia, a do presidente Lula, de aproveitar o embalo da eleição que lhe renovou o mandato e o ânimo para pedir a todos os ministros que façam uma lista do que cada setor pode fazer para alavancar um crescimento maior. Não há uma maravilha curativa, mas haverá certamente várias pequenas ações ¿ e algumas grandes reformas ¿ que podem destravar o caminho do crescimento.

Pode parecer mantra de jornalista de economia, mas o governo tem de cortar gastos de custeio para que tenha espaço para investir mais. Nos últimos anos, o governo cortou no investimento para aumentar o consumo. Os gastos do governo estão crescendo acima do crescimento da receita e do aumento do PIB.

Não há uma medida única que garanta o crescimento brasileiro. Se fosse simples, já teria sido feito, afinal, há 20 anos, o Brasil cresce menos que o mundo; nos últimos 10 anos, cresceu a metade que o mundo cresceu. A hora é de arquivar as idéias simplistas ¿ como a de ter uma meta de crescimento ¿ e retomar o esforço de fazer o dever de casa.