Título: CRISE REVELA MAL-ESTAR ENTRE DEFESA E MILITARES
Autor: Regina Alvarez, Cristiane Jungblut e Henrique Gome
Fonte: O Globo, 08/11/2006, Economia, p. 26

Proposta de desmilitarização do tráfego aéreo desagrada Forças Armadas, desacostumadas à direção de um civil

BRASÍLIA. A crise entre o Ministério da Defesa e o Comando da Aeronáutica tem como pano de fundo problemas estruturais mais amplos, que afloraram com o movimento dos controladores de vôo mas não se resumem a essa área. As Forças Armadas ainda vêem com desconfiança sua subordinação a um ministro civil. Militares de alta patente não expressam essas queixas por causa da hierarquia, mas, em conversas reservadas, reclamam da falta de espaço na agenda do Ministério da Defesa para tratar de assuntos da própria pasta.

Há queixas de que a estrutura de cargos prevista originalmente para o ministério nunca foi montada, dificultando a relação de poder entre os comandantes ¿ que antes tinham status de ministro ¿ e o ministro da Defesa. Na estrutura, está prevista uma espécie de vice-ministro, cargo que seria obrigatoriamente ocupado por um militar de alta patente e mais antigo na carreira que os atuais comandantes das três Forças. Como esse cargo nunca foi preenchido, os comandantes continuam a se comportar como ministros de suas áreas.

O fato de o ministro Waldir Pires assumir pessoalmente as negociações com as lideranças dos controladores civis e militares e a proposta de desmilitarização do controle de tráfego aéreo foram mal recebidos na Aeronáutica. Waldir Pires foi um dos últimos integrantes do governo de João Goulart a deixar o Palácio do Planalto, depois que este foi deposto pelo golpe militar em 1964.

O tema desmilitarização nunca foi tratado diretamente entre o ministro e o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, segundo uma fonte militar, embora Pires tenha se manifestado publicamente a favor dessa solução para a crise entre os controladores de vôo. Aeronáutica e Exército são contra. Teme-se que a medida resulte em perdas de investimentos para a área militar. Há ainda o temor de que os quadros da Defesa Aérea, altamente treinados, migrassem para a carreira civil em busca de maiores salários. E há o orgulho da Aeronáutica com o sistema integrado de defesa aérea e controle de tráfego aéreo, que, para os militares, estaria em risco com a desmilitarização.

Mas esse descontentamento não significa um movimento dos militares contra o ministro da Defesa, já que Bueno ficou isolado no embate com Pires.

Lula não pretende tirar Bueno do cargo

Na segunda-feira, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Pires admitiu haver falhas de comunicação na Defesa. Ele disse que, se não fosse a tragédia com o vôo da Gol, jamais saberia da realidade dos controladores de vôo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu ontem com o Bueno, sinalizando que o brigadeiro permanecerá no cargo, apesar do desgaste com a operação-padrão dos controladores de vôo. Lula ficara irritado com a atuação inicial da Aeronáutica, mas decidiu manter Bueno, mesmo contra a vontade de Pires. O brigadeiro deixou o Palácio do Planalto ¿extremamente satisfeito¿, segundo uma fonte militar, e com a certeza de que a crise foi superada.

O governo adiou, sem definir nova data, a reunião prevista para hoje na Casa Civil, para discutir compensação para os controladores e debater a desmilitarização do controle de tráfego aéreo. A justificativa oficial é que Pires não estará em Brasília, mas na Aeronáutica a decisão foi vista com simpatia. Os líderes do movimento, porém, esperam que a reunião aconteça ainda esta semana: eles temem o agravamento da crise e até uma nova operação-padrão.

O presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Vôo, Jorge Carlos Botelho, tenta marcar audiências públicas na Câmara e no Senado para discutir a desmilitarização do tráfego aéreo.